20 de maio de 2008
santiago, barcelos, os galos cantantes e o milagre dos enforcados
parte 1, a 'originalidade' do milagre barcelense
a devoção a santiago e os seus diversos caminhos são uma fonte inesgotável.
o facto de povos de toda a europa convergirem para um determinado ponto fez com que imensas culturas e tradições se dessem a conhecer, se misturassem e dessem origem a novas formas, mais ricas, de expressão cultural.
do ponto de vista musical, a produção resultante dessa mistura de culturas deu-nos o maior legado de toda a idade média.
mas foi, sobretudo, nas lendas geradas à volta dos milagres do santo que se criaram mais histórias e muitas delas marcaram definitivamente algumas das terras atravessadas pelos caminhos de santiago.
como acontece muitas vezes quando existe muita troca de informação, algumas dessas histórias são comuns em parte ou na sua totalidade.
o caso do milagre dos galos que cantam para salvar os condenados à forca é uma das mais recorrentes.
desde o primeiro caso relatado no 'codex calixtinus', no século XI, até à do peregrino de barcelos uns 4 séculos depois, são, pelo menos, 30 casos semelhantes em tantos outros locais do caminho francês (e os que do centro da europa entroncavam em frança neste), do norte, ou o português.
de utrecht (relatado no 'liber miraculorum') a toulouse e ao milagre do 'pendu dépendu'; de barcelos a santo domingo de la calzada; dos relatados por afonso X nas canções de santa maria a jacobus de voragine no 'legenda aurea' ou o que berceo nos conta nos milagres de nustra sennora, são imensos os casos com uma semelhança notável.
as histórias, de facto, variam pouco (muito pouco mesmo...):
o milagre quinto do codex calixtinus
o papa calisto II relata no seu codex que no ano de 1090 um homem e o seu filho vinham em peregrinação desde a alemanha para santiago.
pararam para dormir na cidade francesa de toulouse na casa de um rico proprietário. como os peregrinos mostravam ares de homens abastados, o hospedeiros colocou uma taça de prata no seu alforge para que, ao serem acusados de roubo, ele pudesse ficar com todos os seus bens em troca do perdão.
quando os dois alemães já estavam no caminho, o homem que os hospedeu mandou alguns homens atrás deles para os prender e levar à justiça.
o juiz confiscou-lhes todos os bens e mandou enforcar o mais novo.o filho ficou enforcado 36 dias. o tempo do pai ir a santiago e regressar.
no regresso, quando lamentava a sua sorte em frente ao filho morto na forca, este responde que ele podia estar descansado que o santiago o tinha amparado durante todo este tempo.
o povo que tinha assistido àquele milagre decidiu ir buscar o homem que injustamente o tinha acusado e enforcou-o.
este é o primeiro 'milagre' do enforcado que dá o mote para todos os outros.
na versão mais popular em espanha, a de santo domingo de la calzada, tudo se passa de um modo parecido, só que aqui é por culpa de uma jovem (filha do hospedeiro ou criada, conforme as versões) que, despeitada pela recusa do jovens aos seus favores, se decide vingar também colocando uma taça no seu alforge.
aqui os pais (também alemães) vão a santiago e regressam deixando o filho pendurado na corda. no regresso encontram o filho vivo na força e levam-no à presença do juiz que o condenou.
este, que estava a jantar galo assado, diz que só o perdoaria se aqueles galos cantassem.
e os galos assados começam a ganhar penas, levantam-se e cantam permitindo a libertação do jovem.
na versão mais popular de barcelos (há várias...) dois peregrinos galegos, pai e filho, vinham do porto para santiago e param numa estalagem.
repete-se a história da jovem estalajadeira que quer os favores amorosos do jovem. este, resistindo à tentação no caminho para santiago, nega-se à jovem.
a dita coloca uns talheres no seu alforge e o resto é o do costume com o final na forca.
o pai vai a santiago, regressa e vai ter com o juiz a jurar a inocência do filho.
este diz que só acredita na inocencência do jovem quando os galos assados no forno cantarem. coisa que, obviamente, estes fizeram.
foram então ao local do enforcamento e lá estava o jovem vivo e de boa saúde aos ombros do santo que o salvou da morte.
uma outra versão do milagre barcelense fala num crime que tinha ficado impune e o galego ao passar por ali foi acusado de culpado, à falta de melhor já que sempre era preferível acusar um desconhecido.
o resto da história é a mesma do jovem peregrino.
outra, muito parecida, fala de uma série de roubos que estavam a acontecer na zona e que trazia os habitantes do burgo muito assustados. como sempre a culpa cai em cima dos estranhos.
como se vê, a originalidade do milagre barcelense é nula.
no entanto, para além de produzir uma das lendas mais famosas de portugal, de ter originado um símbolo que qualquer português já não pode ver à frente, ainda produziu o cruzeiro ou padrão do senhor do galo.
e ele iremos.
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