15 de agosto de 2006

O Mestre de Aviz na cama com Inez Pires

— Nunca reparaste nas estrelas do céu profundo através da ramagem duma árvore acolhedora? Nunca viste esses luzeiros a semearem de misteriosas cintilações a escuridão que nos rodeia, apoquenta e esmaga? Se o teu olhar se desviou de tal maravilha, vem comigo contemplá-la sob a copa remansosa daquela laranjeira...
Inez deixou-se levar como criança assus­tada. A cúpula verdejante mal permitia descobrir a lua, e o Mestre balbuciava-lhe confidências, que iam quebrando uma a uma as cadeias do temor. A jovem tremera com o primeiro abraço... Depois, como atraída pela vertigem do perigo, perdera o domínio da vontade, e, desfalecida, afagava com as mãos finas e acetinadas a face de D. João, passando-lhe também os lábios ardentes pelo rosto trigueiro.
— Jurai, senhor, que sereis o amparo da minha vergonçosa sorte...
Repara, Inez: as primícias do teu seduzimento alvorotam meu coração... Enorme, como o meu, foi o amor de D. Pedro por Inez de Castro... Meu pai amava-a tanto e tanto que todos os rouxinóis de Portugal costumavam pousar nos salgueiros do Mondego para louvarem com seu canto aqueles idílios... Morta Inez de Castro, as avezinhas entristeceram, e, nas horas vespertinas, passaram a contar, magoadamente, a história sem outra igual no mundo. Livre de agoiros, no entanto, é teu futuro, que nele não há negrumes de ambições políticas...
Inez abandonou-se nos braços de D. João, e este inclinou-lhe o busto para a beijar em extrema exaltação amorosa. Estreitamente unidos, enquanto folhagens macias se agitavam, o Mestre afastou do pensamento a observância da austeridade que o Destino estampara na brancura do seu escapulário...

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