Depois da vitória de Cavaco Silva nas presidenciais, tem-se lido por aí que essa vitória é a prova de que Portugal não é ou já não é maioritariamente de esquerda. Nada mais errado. Por várias razões.
A primeira razão é que o Cavaco que se apresentou na campanha eleitoral não é de direita: ou é de centro, ou é de centro-esquerda, ou é pura e simplesmente um indivíduo misterioso com fortes preocupações sociais comuns à esquerda e à direita. De não-esquerda, a única coisa que Cavaco tem (e isto é genuíno) é a compreensão da importância do sistema de mercado e das empresas. É o único que não hostiliza as empresas e é o único dos ex-candidatos que acredita genuinamente que as empresas não são inimigas dos trabalhadores.
A segunda razão é que Cavaco ganhou também com o voto de milhares de pessoas que são de esquerda. E não falo das pessoas que são de esquerda de forma consciente: falo daquelas pessoas que não querem lá muito saber de partidos nem de políticas, não percebem nem se interessam muito por esses assuntos, mas quando se queixam e quando recriminam podem ser naturalmente classificadas de esquerda (mesmo quando dizem que não querem ser rotuladas, etecetera).
A terceira razão é que a esquerda que em Portugal tem mais poder e tem maior potencial de vencer em eleições, a esquerda de Guterres e a esquerda do actual Primeiro-Ministro que dispõe de maioria absoluta, essa esquerda não teve qualquer representação nestas eleições. Os três comunistas não fazem obviamente parte desta esquerda, o poeta que defrontou Sócrates na corrida para Secretário-Geral do PS também não e o outro que ficou em terceiro lugar e que nunca foi nem é nem será representante fiável de coisa nenhuma, esse muito menos. Tivesse a esquerda do poder arranjado e apresentado um candidato (se os comunistas tinham três candidatos, porque não os socialistas terem também três?...) e os resultados das presidenciais teriam sido muito provavelmente diferentes: duvido que Cavaco ganhasse à primeira volta, ou seja, creio que a soma das esquerdas ultrapassaria os cinquenta por cento. A maioria da esquerda em Portugal revelar-se-ia mais uma vez.
O problema principal da esquerda no poder, problema este que levou a uma grande dispersão dos votos à esquerda e que, como última consequência, originará a ideia errada de que a esquerda já não é maioritária em Portugal – esse problema é tão simplesmente o de que a esquerda no poder (ou do poder) não ter encontrado ninguém disponível para se candidatar. E a principal razão para isto é o facto de a esquerda no poder ser relativamente recente e, portanto, ser ainda difícil encontrar alguém que simultaneamente provenha dessa área e já tenha a longevidade política suficiente para poder ser considerado “peso-pesado” e assim adequar-se ao estereotipo da personalidade presidenciável em quem os portugueses podem confiar e, portanto, votar. Um dos poucos que estava nestas condições era obviamente Guterres.
Digo que esta esquerda é recente pois a esquerda de Guterres e de Sócrates, a esquerda da Terceira Via não é a esquerda “histórica” socialista. Não é certamente a esquerda de Alegre e também não é a de Soares, cujas oscilações ideológicas, por colocarem em relevo o traço dominante desta figura – o “sentido de oportunidade” ou o oportunismo, conforme se prefira o eufemismo ou a linguagem objectiva -, levam a que este não possa ser considerado um representante fiél de nenhuma forma específica, nova ou antiga, de se ser de esquerda socialista.
Tivesse Guterres defrontado Cavaco nestas últimas presidenciais e a direita que agora se imagina maioritária teria uma bela surpresa...
(Quem serão os candidatos da esquerda daqui a cinco anos? Mário Soares outra vez?...).
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