Tenho sempre que voltar atrás.
O objectivo é encontrar a causa de todas as coisas ou pelo menos de algumas delas.
Quando parece que o modelo se completa ocorre uma brecha e a consistência, a divina coerência, perde-se, dilui-se, cai.
Recorre-se então aos exemplos impossíveis e justifica-se o injustificável com evidências e aforismos.
Prefiro voltar atrás.
Recomeço, reinicio, reinvento, resumo.
Não é bom o sentimento de piedade. É apenas piedoso.
A piedade é a fraqueza na sua máxima força.
A lágrima pende fácil e contorna o olho procurando um lugar onde se aconchegar numa pena que não doa mais do que um ligeiro olhar para o passado.
A lágrima manda, ordena o mundo e espera sempre que outra lágrima a siga.
A lágrima tem a sua própria genealogia e engendra sempre uma prole numerosa e entusiástica.
Hoje, agora, nestes dias que passam sonâmbulos e formidáveis a piedade escreve-se em dígitos grandes e pode ser comprada e comparada em formas digitais.
Pegando num cérebro humano, desses muitos que há por aí dispersos, usando as mãos de maneira hábil, comprimindo aqui, soltando ali, umas pancadinhas, um ligeiro aliviar da pressão, um polegar raspando levemente a pálpebra e um indicador que suavemente massaja o lóbulo da orelha, consegue-se com relativa facilidade que ele verta uma vasta torrente de lágrimas.
De idêntica forma se faz rir.
E não são muito diferentes as maneiras de fazer sonhar, vomitar, lutar, gritar, parecer…
Diferente é fazer ser e pensar.
Pode então chorar-se com o mesmo desvelo o herói, o mártir, o pai, o irmão, o assassino, o deus, o mendigo, o tirano, o déspota, o santo, o ladrão, o louco, o sábio, o devasso e o honesto.
Pode gemer-se com a mesma intensidade um membro quebrado, o estômago vazio, o campo queimado, o corpo leproso, a falta de rede, o café pouco quente, o sapato novo apertado e a queda na bolsa.
A piedade não é um bom indicador económico.
Du Sísifo
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