3 de dezembro de 2005
Saudades para a Dona Genciana
"Há daquelas mulheres que se diria terem nascido para uma existência sedentária, de intimidade e contemplação, no harém , ou na família querendo Deus. Vistas na rua, ninguém dá por elas: o andar pesado e desgracioso, as formas transbordantes, o vestido antiquado e mau gosto...são como peixes fora de água. Assim era a Dona Genciana: feita para reinar na moldura do serralho ou do lar. Visse-a você ali à janela, na bata de folhos engomados, o cabelo preto todo frisado a papelotes, cotovelos no peitoril , os seios fartos aninhados como pombos nos braços roliços - e não resistiria a admirá-la como todos nós, os do tempo. Sugeria frescuras, grandes lavagens, bochechos de água de Botot, conchegos tépidos, colchões macios , noites regaladas. Vista de perto, não era nova, nem bela, nem elegante. Tinha mesmo o nariz avermelhado e grosso. Mas os seus olhos eram negros e rasgados, a pele alva e fresca, o cabelo abundante. E tinha essa fartura de carnes que, com o ardor dos nossos olhos e as rendas e os folhos, faz o nosso encanto. "Mulher asseada! " ou "Bom colchão". Toda ela irradiava um magnetismo misterioso. absorvente , que valia por todas as belezas. Não havia homem sério, pai de família, polícia cívico ou mesmo simples guarda nocturnoque, ao vê-la não sentisse um respeito invencível, um desejo de cumprimentar, de travar conversa, de falar de coisas inofensivas e familiares, e mesmo confidenciais".
José Rodrigues Miguéis
"Leah e outras histórias"
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