17 de outubro de 2005

little nemos in slumberlands

hoje é o dia internacional para a erradicação da pobreza.

leio as revistas portuguesas de todas as espécies e espanto-me.


qualquer reportagem de férias que seja menos que a polinésia francesa está completamente fora de questão.
não se faz uma crítica sobre um vinho que não tenha, pelo menos, 2 dígitos antes do símbolo do euro e, de preferência, que o primeiro deles não seja um 1.
não se escreve sobre um hotel que não lembre os luxos babilónicos.
não é feita uma única análise a umas míseres colunas de som que não tenham 4 dígitos antes do símbolo do euro.

quem ler as nossas revistas e os suplementos dos nossos jornais acreditará que está noutra dimensão.

segundo os dados divulgados nestes dias, 20% da população portuguesa vive no limiar da pobreza.
famílias inteiras vivem com rendimentos inferiores ao salário mínimo.
a fome nas nossas aldeias é um facto real.

a sub-nutrição nas nossas cidades é um facto surreal.
disfarçada pelo orgulho das pessoas.
disfarçada por algumas couves e batatas plantadas no quintal.
disfarçada pela entreajuda.
disfarçada pela habituação do estômago a ingerir menos.

olho para as revistas de economia (as que a tratam por tu e as que a tratam por você) e vejo que afinal é fácil ser rico e ter sucesso.
basta seguir os conselhos.
está tudo lá.
pago à linha, à página, ou ao delírio.


só ainda não percebi porque é que aqueles jornalistas ainda continuam a escrever em revistas de economia e não estão a fazer o sucesso que receitam.

portugal está um país bipolar.
estamos todos esquizofrénicos.
e autistas.
escrevemos sobre o que gostávamos que fosse, como se já tivesse sido.
sonhamos de noite e acordamos a acreditar que, de facto, vivemos e temos aquilo.

pobres little nemos in slumberlands

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