Portugal é um país de brandos costumes, dizem. Em geral, até é verdade. Mas alguns desses costumes são uma boa merda.
Vem este meu desabafo a propósito da capacidade de aceitar a diferença.
Uso próteses em ambas as pernas. Além disso, tenho um excesso de peso que dá bastante nas vistas. Por isso, sei o que é ser diferente.
A atitude em relação aos deficientes, especialmente nalgumas zonas do Norte, é inqualificável.
As pessoas - incluindo, muitas vezes, a própria família - acham que os deficientes deveriam ser deixados para um canto, escondidos dos olhares públicos. Fica-se, até, com a impressão de que, se pudessem, os deitavam ao poço logo ao nascer, como fazem às ninhadas de gatos. Tratam-nos como um erro da natureza, uma nódoa, que não serve para nada.
Tive a sorte de nascer numa família que sempre me tratou como pessoa, e não como aleijadinho. Tudo fizeram para que eu pudesse ter a melhor qualidade de vida possível, o que aliás lhes valeu críticas estúpidas de quem achava que era uma perda de tempo.
Porém, há muitos outros que não foram tão afortunados.
Tentem imaginar o que é ser tratado pela própria família, pelos vizinhos, etc, como uma aberração, durante toda a vida. Tirar um curso? Impossível, e também não adiantava nada. Casar? Que horror! Levar uma vida normal? Mas tu não és normal!
Quem ouve isto todos os dias, por palavras, gestos e atitudes, ou é um herói, ou acaba por acreditar.
Não é só em Portugal, evidentemente. Li uma vez num livro ("Rising Sun", de Michael Crichton) que, no Japão, os deficientes são uns párias. São tidos como castigos da providência por algum pecado cometida pela respectiva família. Não sei se é verdade, mas não me admira nada que seja.
Na Alemanha nazi, os deficientes foram dos primeiros felizes contemplados com essa maravilha da tecnologia: as câmaras de gás. Era a lógica da pureza da raça. E não foi assim há tanto tempo, pois não?
Conheço várias pessoas que, devido a uma problema merante físico, falam de modo estranho e difícil de perceber. 90% das pessoas, no primeiro contacto, partem do princípio de que são deficientes mentais.
Há tempos, ia eu sossegadinho pela rua, e uma idiota qualquer tentou impingir-me um qualquer remédio milagroso para emagrecer.
Mas que é esta merda??
Depois temos os iluminados e iluminadas, que me dizem, em tom quase missionário: mas tu tens que emagrecer! Isso faz-te mal à saúde!
Uau. Que perspicácia. É pá, nunca tinha reparado nisso. Obrigado pela dica, salvaste-me a vida.
Mas entretanto deixa-me acabar este gelado, que me está a saber bem, ok?
E olha, vai-te foder, tá?
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