Fui à feira do livro com a Chris. Não é uma experiência agradável ir à feira do livro com a Chris. Aliás, não é uma experiência agradável ir onde quer que seja com a Chris.
Ela adorou. Não há meio termo para a Chris: ou adora ou odeia. Neste caso adorou. Há anos que não ia à feira e achou que as coisas tinham melhorado muito. Segundo ela, antes era necessário procurar com cuidado as editoras que tinham livros bons. Hoje já todas têm. Em todas as editoras se podem encontrar os livros que ela gosta. Livros modernaços, farturas e autógrafos fazem as delícias da Chris.
Inevitavelmente procurei-a. É uma questão de identidade. O amor nasceu ali. Uma tarde de sol, vontade de voar, sonhos a condizer e um certo sabor a adolescência. A Léah haveria de estar no meio daquela multidão. Ou talvez já não. Talvez já tivesse, como eu, perdido a esperança de encontrar a salvação no meio dos livros. Divaguei então, enquanto olhava os rostos desconhecidos e a Chris se encostava aos tabuleiros e pedia catálogos.
Se eu pudesse estabelecer um gráfico do deleite talvez colocasse Léah no topo. Não necessariamente pela intensidade mas pela frequência. Foi com ela que fiz as viagens mais extraordinárias, foi com ela que fui mais longe. Foi com ela que experimentei mais e diferentes sensações e me fiquei a conhecer. Foi Léah quem mais espevitou a minha sensibilidade e quem me fez ter um contacto mais envolvente com o sonho. Foi ainda ela que me foi mostrando ao longo do tempo as potencialidades do envolvimento emocional e físico. Num certo sentido não há nada em mim que não tenha começado com ela ou passado por ela.
Foi e é paixão. Para sempre. Léah, onde estás?
Como veria eu o mundo se a não tivesse conhecido? Não o veria, certamente. Seria ainda mais parecido com um carneiro. Iria atrás da primeira cenoura, sem crítica nem sentimento.
Se me desse para incensar uma Deusa, seria ela.
Ah, Léah, Léah, os bons tempos que passei contigo...
A Chris comprou 7 livros que explicam o Código DaVinci, 9 livros que explicam os livros que explicam o Código DaVinci e mais 13 livros que explicam outros pormenores que o Código DaVinci não tocou: "O priorado de Sião e as reformas aos 49 anos"; "A última ceia e os decretos dos sobreiros"; "A mona lisa e a carteira dos portugueses"; "Maria Madalena e as casas de Bragança"; "O cálice sagrado e o vinho do Porto"; "Estará o Graal sob o estádio da Luz?"; "Santana e Alberto João descendentes directos de Maria Madalena"; "Sampaio reflecte que não tem nada a ver com o défice"; "O Sudário encontrado por acaso pela Caras"; "Como falar com Jesus dentro de um elevador rápido"; "Leonardo e os submarinos para Portugal"; "Os templários no governo fazem um ar sério"; "O priorado e as festas da casa pia". Tive que ir várias vezes pôr livros ao carro. Há tardes assim. Trocava tudo pela Léah...
Ivo Cação
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