10 de novembro de 2004

ainda a palestina....

imaginem-se viver num país onde os vossos carros têm uma matrícula de cor diferente da dos 'outros', para que sejam mais facilmente identificados (não vejo outra razão...)
imaginem-se viver num ghetto cercado de arame farpado onde, para sair e para entrar, têm que passar pelo exército ocupante
imaginem olhar para a encosta em frente da janela da vossa casa e verem, em cima dos prédios em frente, ninhos de metrelhadoras, exército e binóculos apontados a vós.
imaginem que não podem vir das compras sem terem que mostrar o que compraram
imaginem comprarem um pão grande e o exérito espetar os pães com facas para saber se levam alguma coisa lá dentro.
imaginem crescer assim
imaginem imaginar que a vossa vida, o vosso futuro, vai ser aquilo e mais daquilo.

conheci um palestiano em jerusalém ao qual pedi para me levar a conhecer um campo de refugiados.
disse-me que não. nem pensar. és louco, disse.

os palestinianos iriam desconfiar de mim;
o exercito israelita iria achar menos piada ainda.
perante a sua absoluta recusa perguntei-lhe como o deveria fazer, porque o iria fazer.

deu-me poucos conselhos: não levar óculos escuros, uma t-shirt sem nada escrito, nada de máquinas fotográficas; não parar para ver os 'monumentos'; reponder aos cumprimentos. andar sempre com a cara levantada q.b.
aconselhou-me um roteiro que pudesse ajudar para desculpa da estadia por ali.

o campo de refugiados fica no monte das oliveiras. em frente ao local onde teóricamente foi a última ceia. e da célebre 'piscina de david', o rei.

saí do campus da universidade e fiz o cume do monte das oliveiras... atravessei o cemitério-agora-judaico
é curiosa a história deste cemitério:
como as très religiões têm a mesma origem, o monte das oliveira será por onde cristo voltará à terra; será o local onde o profeta dos judeus virá para a salvação do mundo e fica do outro lado da encosta da mesquita da pedra, de onde maomé subiu por uma corda para o céu. e de onde virá para o juizo final.
esta proximidade estrategica do local de regresso dos profetas salvadores do juizo final (se vierem todos no mesmo dia vai ser a maior confusão...) espero que tenham organizado bem as agendas), faz com que este seja o cemitéro mais desejado do mundo (há umas pequenas excepções para pére lachaise, mas enfim, isso são contas de outro rosário)

nessa ligação da extremidade do cemitério com o campo de refugiados, por não ser de utilização frequente pelos palestinianos, não existia exército. apenas o arame farpado que contornei.

um campo de refugiados na palestina não tem o mesmo aspecto de outros locais (apenas atravessei um outro no sul do quénia, que é mais composto de tendas.. e com outro estilo de violência e miséria absoluta).
imaginem uma grande 'cova da moura', ou uma 'pedreira dos húngaros' quanto ao modelo arquitectónico.
ruas menos largas que os meus braços abertos, lama e pó, esgotos a céu aberto, algumas casas esventradas (soube mais tarde serem casas onde o exercito israelita afirmava viverem resistentes). o cheiro das ruas que são lavadas com as chuvas, quando chove (o estado de israel só lá entra para prender e matar
mas, em todo o lado por onde passei, uma aparente calma nas pessoas, respeitosos e levemente sorridentes cumprimentos à minha passagem, respondidos com o mesmo acenar de cabeça e meio sorriso.
a miséria daquele bairro em contraste com o outro lado da cidade é impressionante.
realizei que quem ali cresce não tem nada a perder porque nunca ganhou nada. nunca teve nada.
quando vejo reportagens sobre os suicidas, não entendendo o pouco valor que dão à vida.. compreendo o pouco valor que a deles para eles teve e a pouca esperança de que alguma vez venha a ter.

à volta do bairro, os jeeps do exército não param. a cada 100 metros rolos de arame farpado obrigam a paragens ou a lentas gincadas para os contornar. dos predios em frente a permanente vigilância. as armas apontadas 24 horas por dia. os binóculos sempre alerta.
não vou discutir o drama que os judeus passaram na segunda guerra mundial (embora os ciganos tenham sofrido mais, apenas porque não tinham dinheiro para pagar fugas, nem os identificados como comunistas que eram 'apenas' fusilados. (o número de comunistas alemães mortos durante a guerra é impressionante e sempre esquecido).
de facto, nem todos eram judeus (o que não elimina nem atenua o que, de facto, sofreram).
mas não discutindo isso, o que o estado de israel faz aos palestinianos não anda muito longe do ghetto de varsóvia.

estariam à espera de ser recebidos com flores ?

poupo-vos o nonsense do diálogo com o exército à saída do local.....

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