22 de agosto de 2003

Atalho

Mergulhado em formas infames
(a minha, enorme; as alheias,
inermes), fortificado
por um sem fim de meneios, muxôxos,
ares de negação, de emoção todo
heróico - talhado no formão
do "sou mais eu" - e, portanto,
triste como um pau de escanteio
num campo de vento e vacas: só.
Decido: não racho. No deserto finito
(mas onde esse fim?) escondo uvas.
Que importa se as inventei?
Esta minha cara de Deus
foi Deus quem deu.
E o jeito de Deus
quem deu fui eu.
Adiante me estendo,
com dedos sujos as como,
e me apresso a formar
ante exércitos que desconheço
(desejos, maçãs, pupilas,
ódios cursivos como águas frias,
olhos azuis, ossos, mãos
e a piedade longe acenando do cais do parto):
quando nasci, mãe de auroras
(o clarão sonoro do mundo que me deste!,
clarins de luz me ensurdeciam!),
nossos gritos moqueavam adeuses,
e a vereda íngreme do mundo
era torso de cobra desdobrado
em quintais de feras: desanima mundi.
Então só. Decido: não vergo.
E morro aturdido: não reconheço
nenhum anjo ao meu pé,
nenhum diabo ri,
de um em um, sendo todos e nenhum,
serpeamos no rodamoinho-vertigem,
na bocarra escancarada do nada.

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