7 de julho de 2012
Aldeia da Luz: o passado é um lugar estranho
Fotografia de Eurico Palmeira em Luz do fim da luz
O que se extingue na voragem, não se consegue recuperar de modo genuíno: sempre que passo na casa da minha infância e recordo as árvores – a cerejeira japonesa que desapareceu, o jardim, o pequeno lago onde nadavam peixes vermelhos que a cadela Laica tentava capturar – e hoje sou agredida por uma ruína que acredito desbitada, não posso deixar de estabelecer ligações. Passei um dia pela nova aldeia da Luz em vésperas de ser povoada, ainda a barragem do Alqueva se afigurava esventrada de águas. Como que num instantâneo, desfila na memória o grito da população, náufraga de um passado recente, tentando agarrar-se ao espaço ancestral prestes a desaparecer: o progresso traz destas coisas. Apesar de indiscutíveis vantagens, há sempre (ou quase sempre, lembrando a exceção das pinturas rupestres de Foz Côa), o impulso implacável do rio de onde derivam afluentes da memória. Em digressão geográfica através de pensamentos , evoco ainda Vilarinho das Furnas. Quanto a esta aldeia, sente-se especial comoção sempre que algum telhado assoma à superfície das águas. Desfechos diferentes – penso . Náufragos de um tempo extinto, o passado é uma linha ténue que tentamos reconstruir. É também nele que presente e futuro se alicerçam. Um vestígio de memórias da terra e das gentes, fica guardado no livro Luz do fim da Luz, quando decorrem dez anos da mudança da população para a nova aldeia, a tentar manter a traça da original.
Nove casas,/ duas ruas,/ ao meio das ruas um largo,/ ao meio do largo um pouco de água fria.
Tudo isto tão parado/ e o céu tão baixo/ que quando alguém grita para longe/ um nome familiar/ se assustam pombos bravos/ e acordam ecos no descampado. – Manuel da Fonseca
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2 comentários:
Eu vivi seis anos com freiras em Fátima. Quando me mudei para Lisboa estive coisa de dois anos sem as visitar, mas sabia que estavam a fazer obras de melhoramento. Criavam-se novas e melhores condições para as miúdas. E eu estava contente com isso.
Mas quando lá fui a primeira vez depois da conclusõ das obras... ia tendo um ataque. Chorei imenso porque a casa estava completamente diferente.
Está muito melhor, mais ampla, mais funcional e até mais segura, mas sempre que visito as freiras... o meu coração aperta-se: a minha casa desapareceu!!
Se eu que não moro, nem voltarei a morar lá sinto isto por uma casa onde só morei seias anos da minha vida... nem quero imaginar o que sentem estas pessoas todos os dias das suas vidas...
Eu acho que morreria de desgosto. E não estou a dizer isto como uma personagem romântica de um livro de bolso, acredito mesmo que me iria dar uma coisa má, literalmente.
Essa sensação - indepedentemente das melhorias, que às vezes são notórias - é comum. Tenho uma amiga que, na qualidade de psicóloga, acompanhava populações alojadas em bairros sociais. As pessoas não negavam que tinham uma casa em condições: água canalizada, quartos para o agregado familiar, etc., . Por outro lado - há sempre um outro lado- confidenciavam que sentiam a falta da vida comunitária, dos almoços de cachupa à roda da mesa coletiva, cá fora. Mesmo quando as coisas melhoram, no sentido pragmático (e será que melhoram sempre?), também dou comigo a olhar para a profusão de espaços e a tentar reconstruir como eram, na minha juventude: a casa de infância, o centro de Sintra, os prémios Valmor da cidade, hoje desaparecidos ou em decadência, enfim, lá estou a divagar, como sempre.
Um bon domingo, Luísa (guardemos as memórias, embora vivamos em pleno o presente):)
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