18 de maio de 2011

A QUE VIU TUD0



"Esta é diferente. Autêntica
refugiada, com todos os estigmas da guerra. Elsa fala pouco. Nas suas mãos pálidas, há cicatrizes profundas. A metralha costurou-as de dor. É pálida, loura, emagrecida de privações, e, parece que a sua  alma infanti1 gelou, ou endureceu como o  aço sob a têmpera do fogo.
Viu tudo. É a testemunha trágica e implacável.
Os seus olhos cinzentos fitam-nos numa fria crueldade. Naquela alma, a maldade dos homens gerou um monstro. Foi recolhida, numa cidade do Norte sobranceira ao mar. Passa o tempo encostada à janela. No primeiro dia, numa grande surpresa, exclamou:
 -Mas aqui as macieiras ainda dão flor!
O pai era operário especializado, na fábrica Krupp, e a mãe trabalhava em casa para uma loja de modas. Dois meses depois da guerra, o estabelecimento fechava. Foi um rude golpe, na economia do lar. Mas Walter sorriu. Tinha uma esperança.
Uma semana depois, na fundição de aço, todo o pessoal era aumentado. Ainda havia de comer.
A organização dos abastecimentos funcionava modelarmente. Só mais tarde as rações foram diminuídas, mesmo para os operários
em serviço dobrado.
Um dia, porém, desencadeou-se a tragédia. Walter, atingido por um lingote de aço, ficou com a mão direita esmagada. Não era recuperável. Em vez do salário, a pensão de sinistrado, carregada de descontos. Queixou-se. Protestou.
Elsa recorda tudo isto. “Ouve ainda, naquela noite sinistra, as botas da Gestapo, rangendo, na escada.
- Walter Muller?
-Sou eu!
Algemaram-lhe brutalmente, os punhos.
Nunca mais voltou. Quando a mãe, com um sorriso triste, se vestiu para sair, compreendeu tudo.
Nem assim o salvou"
Como elas são, Artur Portela,
 Livraria Popular Francisco Franco, capa Eduardo Malta

Sem comentários: