23 de abril de 2010
Marido gosta
Saio na Avenida de Berna, pronta para apanhar outro autocarro. Para variar, vou meia a dormir e só sou desperta pelo barulhento e alegre grupo de mulheres de limpeza que ali pousa. Uma delas, africana e exuberante, destaca-se.
"Eu sou gorda, eu sou feliz. Marido gosta. De morder, de sentir carne" (exemplifica batendo palmadas no rabo que vira para a divertida assistência.
"Marido gosta? Duvida sua feiona? Venho do banho, com uma toalha e estendo-me na cama a mostrar o rabo. Marido gosta. Tem pouco rabo? Compra calça de silicone cor de pele. Marido não dá por nada, faz tudo às escuras, mete a cueca debaixo da cama. Tem pouca mama?" Empina as dela para demonstrar" Compra umas borrachinhas para encher. Marido gosta. Vão no 726? Pouco potente para mim, sou mulher de 56".
Enquanto entramos no autocarro, sento-me ao pé de uma jovem a ler atentamente a Alice no País das Maravilhas. Mas continuo a ouvir a conversa. A sexóloga senta-se, depois de convidar uma "prima" a ceder-lhe o lugar pretendido.
Logo um coro se ergue para falar sobre primos pretos e primos brancos e diz uma "eu não faço descrição entre raças. Somos todos iguais. Alguns até vão à praia para ficarem pretos como eles".
Com tudo isto, a jovem que segue ao meu lado pede licença para passar. E olhamo-nos e é a Lulu. Desatamos a rir às gargalhadas e esquecemos o resto.
Marido gosta.
Fotografia de José Manuel Ferrari, AML
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2 comentários:
Dizia uma delas: "Eu não me posso sentar nos lugares da frente porque sou gorda, não estou grávida". No seguimento de outra, conversa dizia a outra: "Brancos e pretos são todos iguais, os brancos fazem permanentes para ficar com carapinha, iguais aos pretos."
Depois desta comitiva entrar, foi impossível ler o que quer que fosse, até porque gosto de ouvir as conversas dos outros no autocarro :)
Excelente! Adorei o texto.
Ha muitos anos atrás Luís Villas Boas, o grande, o maior ( mas algo contestado) divulgador do Jazz neste país, contou que após um concerto,( já não me lembro onde nem quando), se vira para um músico seu amigo negro e faz-lhe descomplexadamente a seguinte confissão:
"We, the whites, have a word in portuguese for the strong scent you have when you're sweating: we call it "catinga".
O músico ri-se e responde: " That word sounds funny!
You know that you guys have also a strong odor for us...even when you're not sweating?"
"Is that true? Tell me about it..." responde o Villas curioso.
" Man, you smell corpses, like death people, only a bit more sour....!! "
O Villas ouviu, rui-se muito...e contou a mais gente.
; )
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