6 de janeiro de 2010
UMA DOENÇA NOSSA
"Noticia o DN que, no domingo passado, entre as 10 da manhã e as 10 da noite, foram encontrados mortos em Lisboa e levados pela PSP para o Instituto de Medicina Legal nove velhos. Viviam quase todos sozinhos, abandonados por filhos e família, sobrevivendo com a ajuda de vizinhos ou da Misericórdia, e pelo menos um deles tinha-se, em desespero, enforcado.
Segundo a notícia, só as autópsias revelarão as "causas" dessas mortes. Só que nem os bisturis dos patologistas nem a química dos analistas podem alcançar no terrível e silencioso cancro social que ceifa hoje, em Portugal, a maior parte dos nossos velhos, a solidão. Expulsos da família e da sociedade, os velhos "atravessam o presente desculpando-se por não estarem já mais longe" e, amontoados em sórdidos "lares" e hospitais públicos ou entregues a si mesmos, trilham, desamparados, o resignado e último percurso "du lit à la fenêntre, puis du lit au fauteuil, puis du lit au lit" e às campas rasas dos cemitérios. Evitamos falar disso porque a principal doença de que morrem hoje os velhos é uma doença nossa, vergonhosa, que nos culpa a todos."
Crónica de Manuel António Pina no "Jornal de Notícias" de hoje.
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6 comentários:
[sórdida doença que a todos atinge e a poucos aflige... aqui, ali, na maioria dos blogs por onde passamos, sente-se à distância, a "crónica das mortes anunciadas"; embora este "refúgio" seja sofisticado e facilmente "falsificável"... mas, a solidão, está tão visível neste admirável mundo novo, que o mais das vezes nem damos por isso... ou não queremos sentir! - nas ruas mata, a solidão; pelo menos mói!]
um imenso abraço
Leonardo B.
@ Leonardo B., tb sinto isso, e por muitas redes sociais que apareçam, nenhuma substitui a presença e a boa conversa acompanhada de um chá. Para além de ter a noção que acabamos por nos conhecer todos, o mundo é cada vez mais pequenino, mas ao mesmo tempo, não conhecemos ninguém a sério.
Quanto à "nossa doença", é algo que me corta o coração, visto que tenho uma família unida, não percebo como se abandona, um pai, um irmão, um tio que seja...
Tanta pessoa de idade com a casa degradada, abandonada por todos, com a fralda por mudar, a tentar fazer uma vida sem incomodar ninguém, com medo de sobrecarregar instituições...Onze é pouco, muito mais são. Esta semanana contactei com três casos diferentes dentro deste género. Às vezes a diferença é dar a mão e dizer eu importo-me consigo. Neste período do ano anda tudo mais sensível, mas é um problema enorme e de todo o ano.
http://www.youtube.com/watch?v=saVOMv5DenQ
É a 'solidão acompanhada', expressão bem encontrada por M.Judite de Carvalho. Paradoxalmente, as aldeias têm redes sociais 'espontâneas' para o bem e para o mal, (para o mal quando o reparar nos outros se torna ingerência nas suas vidas, para o bem, porque há sempre um vizinho preocupado em saber se alguém comeu uma tigela de sopa ou tomou os medicamentos e se acordou bem...).
Um antigo professor vindo do Canadá (acredito que ainda more em Portugal, aqui pela serra próxima), dizia-me há muito tempo que apreciava em nós, portugueses, o facto de sermos tão cuidadosos para as pessoas de idade, o que não via no seu país tão moderno do ponto de vista tecnológico ('basta carregarmos num botão e temos tudo', dizia ele numa aula).
Penso que a voragem do tempo tudo tem mudado, dizendo-me em tempos um funcionário de um hospital que no Vêrão há quem se 'esqueça' durante um mês dos 'seus' idosos nas urgências hospitalares sem um documento, sem nada que os identifique, sem qualquer elo ou referência familiar...
La deshumanización de la sociedad.....
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