21 de setembro de 2009
Folhas de Outono...
Primeiras horas da tarde. A voar da escola para a estação de comboio, tentando ser pontual para uma troca de ideias com o director de curso sobre o meu trabalho. Junto da máquina dos bilhetes, uma mulher de idade indefinida tenta vender-me pensos rápidos. Atrapalhada e numa busca infrutífera do porta-moedas dentro da mochila, não sabendo se tenho trocos para ter direito a viajar, atiro-lhe com alguma impaciência mais ou menos contida um “não posso perder o comboio”.
Talvez o sorriso dócil e compreensivo ou os inúmeros trocos cuspidos pela máquina me tenham levado a comprar um manancial de band-aid para uns 5 anos (apesar de muito desastrada no manejo de facas de cozinha) antes de me precipitar para a rampa que conduz à gare.
O comboio tinha acabado de partir, aguardando-me mais uns 15 minutos de espera. Acabo por entrar e escolher um recanto onde possa ler o jornal da manhã (as sugestões de escândalo das escutas telefónicas entre ‘titãs’ haviam suscitado alguma curiosidade).
A vendedora de adesivos entra e atravessa a carruagem. Olha-me com um meio-sorriso. Aceno-lhe amigavelmente, como convite a que se sente no lugar vago à minha frente.
Surge a conversa espontânea, entre duas mulheres que partilham quotidianos (a falar verdade, tornei-me ouvinte atenta, ficando ela conversar num português dificultoso, acabando a vontade de comunicar por minimizar as traições da gramática).
Conheci pessoas marcantes do seu país sem que nunca me tivessem conseguido explicar a errância de tantos dos respectivos cidadãos (podemos sempre alegar a pobreza extrema, mas há nomadismos que fazem pensar...) tendo confirmado, uma vez mais, a importância de ver o que cada um significa a título pessoal e não os estereótipos habitualmente esgrimidos: “chateiam mesmo a tentar vender o Borda d’Água! Duas tentaram assaltar-me na caixa multibanco (as desculpas à Fátima, pois sei que foi mesmo verdade)!" ...
Fala de um marido que faleceu há 2 anos após queda de um andaime numa obra em Lisboa, veio para Portugal ter com ele há algum tempo. Os olhos azuis iluminam-se quando menciona a filha de 9 anos , aluna exemplar, apesar de ainda não ter a certeza do modo como irá conseguir os livros e cadernos para a menina. Tira o bilhete do saco e vejo duas carcaças que quase deixa cair. Diz-me em tom casual e sem lamentos: “ hoje só deu para comprar este pão para as miúdas”. Há instantâneos que me envergonham quando, mecanicamente (mesmo se só em pensamento) , dou comigo a reclamar da vida.
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11 comentários:
Percebo-te...Mas eu tenho dificuldade em dar dinheiro nesses casos. Sinto que estou a alimentar situações que deviam ser resolvidas de outra forma. Só faço excepção com as pessoas de idade.
Um belo texto Teresa:)
Eu tinha posto mais algum dinheiro no bolso discretamente para lhe dar antes de sair 2 estações antes da sua, mas acabei por não lho dar: a dignidade desta senhora não o merecia:)
Pois..é complicado:)
Belo texto e bela maneira de estar na vida!... a cada passo, tropeça-se na realização que sente no exercício do seu 'sacerdócio', a que chamam Ensino!
É visível o saudável espírito de missão e voluntarismo que habita em si!
A sorte que os alunos têm,... de ter uma professora assim...
Penso que a Teresa tem alunos por toda a parte... dentro e fora da Escola!...
Agradeço-lhe, por tudo isso...
Bem haja!
César
Eu é que agradeço o feedback, pois fiquei a pensar nesta companheira de viagem... às vezes não se consegue desligar com muita facilidade. E acabei de encontrar um antigo aluno que me falou com entusiasmo na ex-professora do curso de hotelaria, encontrando-se com contrato a trabalhar, feliz, num restaurante aqui perto. Nesse particular, só terei contribuído para ele falar um bocadinho melhor (não para servir com correcção à mesa, o que faz e bem).
Bom texto e, um belo gesto.
Isso de pensar que às vezes reclamamos demasiado da vida é complicado. Há uma frase batida que diz: "Eu reclamava de não ter sapatos, até ver um menino sem pés." Eu por vezes completo com: eu continuo sem sapatos. Por muito mal que a vida dos outros possa ser, a nossa dói-nos a nós, a deles dói-lhes a eles. O nosso problema não os incomoda minimamente. Da mesma maneira que também vemos muitas vezes os problemas dos outros como sendo pequenos e que para eles são gigantescos. Tem tudo a ver com a perspectiva e não nos podemos recriminar por sermos egoístas por momentos. Faz parte de ser Ser Humano!
Mas eu estou com a T... e não é só pelo facto de ver as coisas serem resolvidas de outra forma. Muitas vezes é cada barrete que eles nos enfiam, ou pelo menos tentam. Deixei de ter pena das pessoas com 17 anos, quando descobri que um homem que andava a pedir pelas ruas de Fátima era podre de rico. Andava ele a dizer que tinha um tumor na cabeça e eu ingénua... Por isso, agora, quando quero ajudar tenho 1001 formas de o fazer: toda a roupa que tenho em bom estado e não uso, entrego nas freiras onde vivi (cheguei a recolher roupa de criança aqui na Suíça e a levar para aí), participo nas campanhas do Banco Alimentar, compro a Cais e vou vendo quando há campanhas de telefonar para dar um euro ou assim. Deste modo tenho a certeza que o dinheiro não é para droga e que quem vai buscar a comida a come e não a deita fora como umas romenas fizeram aos hamburgers dados pelos funcinários do McDonalds aos filhos delas. Podia ser junk food, mas era food...
Mas, estou com todos os outros também: bonito relato! ;)
Belo (e triste) texto...um pontapézinho no lado de dentro para recordar que foram outros...mas podiamos ser nós.
É verdade, Júlio Amorim...faz parte da condição de adultos imaginarmo-nos no lugar dos outros (mesmo que felizmente nos não encontremos por lá).
E como tenho dificuldade de síntese, o comentário da Luísa suscita-me diversas reflexões (talvez mais extensas do que o próprio 'post'):
É claro que ‘reclamar da vida’ se encarado enquanto tentar trazer à realidade dias melhores é algo de que não se deve abrir mão (parece-me e nisso sou mesmo persistente)… e é certo que tudo é relativo embora, em termos de consenso, talvez fiquemos mais tocados por ver uma criança de olhos esbugalhados a olhar para um chocolate que começámos a comer na rua (não me envergonho de o fazer quando não tenho hora de almoço) do que alguém a reclamar por não poder comprar ‘aquele’ par de sapatos ou não poder fazer aquela viagem idealizada…
Também costumo contribuir para campanhas cívicas e, mesmo em relação a essas, há quem ponha em causa a sua seriedade (em tempos apontava-se o dedo a uma organização que procedia à recepção de roupa, referindo-se que esta era vendida para compra de armamento… quem sabe? É que actualmente muitas suspeições ficam por apurar).
Por isso mesmo é que caso sejamos ludibriados (por organizações ou indivíduos) penso que o problema está em quem burla e não nos enganados… embora ninguém goste de ir no ‘conto do vigário’(quanto mais não seja por ficar de auto-estima beliscada), não podemos ‘nunca’ ter a veleidade de acreditar que isso connosco não aconteceu/acontece/acontecerá, mesmo com algumas organizações à frente a ‘dar a cara’.
Tive um colega na faculdade que costumava dizer: ‘ se me enganarem, o problema é dos vigaristas e não meu'… pensamento peculiar, mas com igual direito à existência… embora haja aldrabices muito bem arquitectadas e outras mais evidentes.
O meu pai defendia sempre ser dever do estado a criação de respostas dignas (não lamechas/proteccionistas) para todos os problemas sociais. Penso que nunca nenhum modelo de governação o terá conseguido, embora seja minha convicção (por leituras ou amizades de outros locais, ainda ontem conversei com uma amiga dinamarquesa um pouco sobre a escola do seu país que ela só conhece enquanto mãe, dado não ser professora) serem alguns mais eficazes do que outros .
Parece-me uma ideia sensata, mas dou comigo a pensar – sem ironias – se não se tratará de uma mera ideia (sem resultados práticos).
Não quero com isto dizer que seja a maior ou menor generosidade(nunca ‘caridadezinha’) do cidadão-comum a resposta, nunca o será nem constituiria uma atitude digna para a humanidade mais castigada…
No entanto, algumas questões ficam (não como ideia de estar certa, engano-me tantas vezes… ) por ser algo em que penso com frequência: ‘ por defender não ser essa a responsabilidade de cada um vou suspeitar que um miúdo ficou com fome naquele preciso momento?’… e isto é como tudo na vida: confiar/ não confiar (as pessoas surpreendem-nos sempre pela positiva ou pela negativa quando temos oportunidade de as conhecer) e isto acompanha-nos a todos sem excepção durante a vida.
Quer dizer... o problema de quem engana não está, de certeza, em quem engana. Quem engana sai a ganhar e mais nada.
O problema está nas consequências do engano. Se for "só" para consumo de droga, até nem estamos mal.
Mas e quando o dinheiro é dado a "chulos" quer financaim redes de prostituição, tráfico de pessoas, de armas e por aí fora? Aí não são só 2 envolvidos (o enganador e o enganado) vai muito mais à frente disso. São as vítimas do tráfico, as faílias, são as pessoas que podem morrer numa guerra estúpida de guerrilhas ou numa qualquer rua de Lisboa com um tiro de arma ilegal.
Posso parecer radical, mas durmo melhor negando um pedaço de pão a uma pessoa do que dando dinheiro sem saber para onde ele vai. Apesar da minha consciência se tornar pesada por pensar que alguém não está a comer porque eu não quis ajudar, fica deveras aliviada por saber que não há uma única prostituta nas ruas de Lisboa que tenha sido traficada por um chulo patrocinado pelo meus míseros cêntimos.
Eu quero acreditar que a história que a outra senhora lhe contou seja verdade, mas há aí tanta gente que cria histórias tão credíveis que nem com os factos todos contra a pessoa deixa de acreditar... o outro tinha um cancro... há quem tenha a coragem de se mutilar para não trabalhar e viver à cusat dos outros...
Há de tudo, Luísa...e quanto à miudagem, dá-se-lhe comida (ou guloseimas a que têm todo o direito) e nunca dinheiro:)
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