3 de agosto de 2009

SÍTIOS POR ONDE ELE ANDOU

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Esta é a Escola Primária nº 68 no número 75 da Rua da Penha de França, em Lisboa.
Por aquela porta, no início dos anos 50, entrou para frequentar a Instrução Primária.
Uma escola feia, salas de aula tristes e frias, com retratos de Salazar e de Craveiro Lopes nas paredes, um Crucifixo ao meio.
Lembra-se dos que entraram de botas e pasta de cabedal e dos que chegaram com sacola de serapilheira e alpergatas, dos que, no Inverno tinham agasalho conveniente e os que não tinham, os que comiam merenda, a meio da manhã, no recreio, e os que ficavam a olhar, os que limpavam o ranho a lenços e os que o limpavam às costas da mão. Poderia dizer que, nas brincadeiras no recreio, eram todos iguais, mas estaria a fugir à verdade: aí também havia diferenças.
Lembra-se que, consoante o aproveitamento, se mudava de carteira. Como gostava mais de jogar à bola do que do resto, ocupou sempre as últimas carteiras da sala, e não lembra alguma vez ter saído de lá. “O dedo imenso e estúpido do professor primário a procurar-me entre as carteiras a pretexto dos afluentes da margem esquerda do Tejo”, como um dia há-de ler numa crónica do António Lobo Antunes.
Lembra-se dos desenhos a lápis de cor que fazia na quarta classe: era o mar, com o inevitável barquinho e umas andorinhas esquemáticas, a preto, no céu. Paisagens inventadas, que, por isso mesmo, não esquecem. Ficou sempre uma espécie de batata, em desenho. Apaixonou-se pelos borrões imundos que fazia com o guache. Nunca chegou a pintar coisa com coisa. Afinal, que importa? As paisagens ficavam à mesma todas dentro dele.
Lembra-se, mais tarde, de ter lido uma frase desse amável cronista de Lisboa que foi Leitão de Barros: “uma boa instrução primária e o resto é como os borrões que rodeiam um bom quadro”. Não foi isso que lhe aconteceu. Provavelmente mais culpa dele do que do professor que lhe calhou em sorte. Hoje pode dizer que aprendeu melhor a ler em “A Bola”, que o avô religiosamente comprava, do que com o Senhor Amilcar, assim se chamava o professor.
Lembra-se do cantarolar da tabuada, dos problemas de aritmética que muito dificilmente conseguia resolver, das reguadas, do ter de por a mão no metal da cobertura metálica dos tinteiros que se encontravam nas carteiras, para aliviar a dor.
Lembra-se que, no primeiro dia de escola, a mãe acompanhou-o até à porta, mas não a ouviu dizer ao professor: “está aqui a encomendinha”…

6 comentários:

teresa disse...

Já tinha pensado em escrever sobre as memórias da escola primária: tendo entrado e aprendido a ler aos 5 anos numa escola particular - a azáfama laboral da família não permitiu escolas de horário mais curto- tudo isso se traduziu num tédio imenso, pois os mais velhos da família consideravam interessante que eu lesse para os adultos a exibir a habilidade. A acrescer a esta tristeza, a falta de paciencia da professora que, ainda há um ano, não era encontro feliz quando com ela me cruzava na rua. A pensar nestas memórias menos sorridentes da escola, ainda hoje me interrogo como decidi ter esta profissão e como gosto tanto de a exercer, a ajuizar pelas reguadas, estaladas (sem leveza) e dezenas de cópias para casa, acrescentando ainda a entediante aritmética com problemas de torneiras a pingarem em tanques (por que motivo não chamariam o canalizador? - pensava eu). E o post trouxe-me estes pensamentos (isto não é bonito, mas a minha mestra era uma pessoa um pouco amarga e algo violenta que a alguns - incluo-me no grupo - conseguia intimidar).

Gin-tonic disse...

Temos sempre que voltar ao "Diário" do Sebastião da Gama.
Por principio deveríamos trabalhar apenas naquilo de que gostamos. Utopia, é certo. Mas pensa que existem duas profissões onde isso deveria ser obrigatório: professor e médico. Qualquer coisa a tocar os limites do sacerdócio.
Sabemos que há professores que não gostam de ser professores, há médicos que fazem da profissão, única e exclusivamente,um comércio.
O Sr. Amilcar não gostava de ser professor. Não sabe se os alunos que lhe passraam pelas mãos pensam o mesmo, mas ele reconhece que ao longo da vida sofreu consequências, pequenas ou grandes, não importa agora,
de ter recebido as primeiras lições de uma pessoa como ele...

teresa disse...

Sebastião da Gama, acusado de utópico por alguns, mas certo quando escreve pelo sonho é que vamos. Quem já viu operarem-se verdadeiras mudanças com jovens rebeldes que até levavam para a aula unicamente 2 ou 3 páginas arrancadas ao livro de estudo e faziam questão em as exibir, fingindo a professora não dar conta do facto (faz parte destas idades) não pode deixar de acreditar nisso - o 'rebelde sem causa', autor de tal façanha ganhou, no final do ano, o concurso de poesia na escola, não havendo para uma professora de literatura um sonho com maiores dimensões do que este:)

César Ramos disse...

...é isso mesmo, Teresa. O Sonho, comanda a vida...

A.Gedeão

Mário Pereira disse...

A minha escola! Também andei lá pelos anos cinquenta, para mim nunca será tão feia assim e sempre a recordarei com saudade.

Anónimo disse...

Também a frequentei nos anos 60 e recordo com alguma saudade.
As salas de aula com aquelas carteiras e o uso obrigatório da bata branca.
Também recordo aquele recreio e o cheiro da proximidade da Fábrica de bolachas que ficava nas traseiras, penso que era a "Favorita".