7 de junho de 2009

O sabor vivo da Língua Portuguesa

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(Keith Malett, Celebration)

Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.
A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o vôo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem, é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o mundo mutuamente se desobedecem.
Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações. Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulburbio.
No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.
Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas? Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:
Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?
No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?
A diferença entre um às no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?
O mato desconhecido é que é o anonimato?
O pequeno viaduto é um abreviaduto?
Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?
Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?
Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?
A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?
Um tufão pequeno: um tufinho?
O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?
Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?
Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocamos essoutro português - o nosso português - na travessia dos matos, fizemos que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.
Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas - o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.
11/04/1997 (transcrito com supressões)

4 comentários:

Unknown disse...

Sis,
Gostei muito:-)
Bem criativo este texto.
A imagem que escolheste para ilustrar é lindíssima.
Até logo!

Anónimo disse...

Sou Rosarinho também!
Ó Sis, adorei este teu post!!!!
Lindo! Lindo! Lindo!
A mim, que não sou moçambicana, também me faz chorar rir e namorar com este país...isto tem magia!!!
"No creo en brujas, pero que las hay, hay..."
Que beleza as mulheres que escolheste para ilustrar a "posta"!!!!!!!
Estou nas minhas sete quintas!
Depois escrevo-te em privado.
Parabéns pela inspiração em Mia Couto e Moçambique, Terra Mágica... (eu que não acredito em magias...)
Isto apaixona mesmo:)

Mil beijos, amiga Prattie
A destravada do costume (tenho couves na horta:) e hoje já plantei cebolinho)

teresa disse...

Fico à espera que compres uma máquina fotográfica e me passes a brindar com um bocadinho dessa magia, mesmo com os dias de trabalho tão preenchidos como os têm por aí.

Hug:)

Anónimo disse...

Prattie,
Despistada como sou nem me dei conta que a outra rosarinho era eu, euzinha própria. Moi, je, Ich, Jeg, I.
Envei-te agorinha mesmo um comentário, mas não sei o que fiz, apagou-se... Ou seja, "desconsegui"!!!
Logo escreverei.
Xi-coração apertado,
R