10 de maio de 2009
Nada se perde, tudo se transforma
O rio da minha infância: sotaque da terra, pronúncia da própria vida. Esse rio transcorre não no mundo mas em mim. Como se eu fora natural da água e não de lugar terreno. Às vezes, flui manso, diluindo os amargos recantos, consolando as arestas da minha idade. Outras, fundo e espesso, quase imitando o fogo. Então, em sua corrente me ensombro. E me duvido: afogar é morrer na água ou no fogo?
Afinal a fúria é breve. O rio simplesmente se lavava da morte, sacudindo destroços em mim que se espreguiçavam na torrente.
A coragem do rio é seu caminhar suicida para o mar. A bondade da água é o seu incansável retorno ao regaço da vida.
Mia Couto, "Natural da Água" in Cronicando (excerto)
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3 comentários:
Que fluir de palavras tão bonito!
É verdade, rosarinho.
Em tempos realcei a escrita de Agualusa, mas Mia Couto é outro escritor especial:)
Comecei muito cedo a ler os escritores africanos, mas esta geração é ainda mais apelativa. Aconselho Ondjaki, este mais recente. Posso emprestar livros.
Teresa,
Agradeço sempre empréstimos :-)
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