4 de maio de 2009

Lisboa

Quem anda como eu por dentro de casa dos outros, sempre por maus motivos, aprende a conhecer uma Lisboa cansada, quase que ferida de morte que sobrevive entre vasos de flores e estuque caído. As casas estão como os seus habitantes, com mazelas profundas, mas ainda é visível a beleza dos  gessos, madeiras e ferros, embora tristes e debilitados. Por vezes comovo-me quando vejo as portadas de uma casa fechada a abrirem-se e a luz a tudo inundar. É como se por momentos fossemos ofuscados pelo que ali existiu. E são espaços, que passam de geração em geração, perdendo o brilho, mas não o afecto do local onde se mora. Porque morar era uma forma de vida, chegada e afectiva para o melhor e o pior. Lentamente porém os prédios esvaziam-se e morrem abandonados. Apenas ficam os pombos. E é o seu esvoaçar assustado que recordo de hoje. 

7 comentários:

Tareca disse...

tambem eu partilho deste 'sentir' das coisas T.. e as vezes por causa dele, fico absolutamente abatida.. gostava de facto de ser mais moderna.. ou menos sensivel.

teresa disse...

Este texto disse-me muito por nele me ter revisto. Quando tive de invadir espaços domiciliários por ossos do ofício, sentia-me incomodada junto dos envolvidos, pois todos os seres humanos têm direito à sua dignidade/privacidade e os que a não têm de verdade, sem artifícios, também não têm voz.
E que a Tareca não me leve a mal, mas não se trata de se "ser moderno", a revolta que ainda sinto- ao fim de todo este tempo - quando se diz que "somos todos iguais, a democracia, etc. e tal..." penso que me irá acompanhar sempre, a não ser que um dia venha a perder a lucidez em definitivo.
O que me fez "correr" nestes últimos dias também tem, de certo modo, a ver com o facto, embora tudo sejam contributos insignificantes que, a incomodar algumas consciências, não afectam aquelas que precisavam de ser roídas.
Mais do que sensibilidade, chamar-lhe-ia solidariedade, um pouco estéril, é certo, pois esta estratificação tão visível parece encontrar-se agarrada como doença crónica. As pessoas não precisam de saber que sentimos os seus problemas precisam, sim, de os ver resolvidos.

Tareca disse...

moderna porque nao me parece que hoje em dia se sintam as coisas como outrora... senao vejamos, eu tenho uma inquilina, muito jovem por sinal, que outra coisa nao tem feito senao viver em casas arrendadas, saltando de poiso em poiso... ate deixar de pagar, que é o que se esta a passar no meu caso. E eu penso.. como raio se consegue viver assim? Eu nao lhe vou resolver problema nenhum, nem disso tenho vontade, para ser sincera.. Mas gostava de ter a imparcialidade e frieza que vejo nas pessoas da minha idade. Na maioria, pelo menos.. Eu sou tao agarrada aos meus tarecos.. e a(s) minha(s) casinha(s) ;)

Tareca disse...

Oh T, e na casa da minha bisa Quiteria moram mesmo la dentro os pombos. É, eu ja vi, por um buraco que esta na porta... é tao triste.. quero tanto readquiri-la. E cuidar dela. Tanto, tanto... é quase como se fosse entrar la dentro e descobrir a caixa de papelao cheia de pequenos brinquedos de lata, que ela sempre ia buscar quando la entravamos criancas, por forma a nao chatearmos muito, que ela a criancas e lides era pouco dada... ela sim, fazia se moderna!

teresa disse...

Isso já se trata de uma questão do foro pessoal que poderá, de certo modo, explicar o "moderna", mas nem tudo o que parece é: basta falar com amigas que trabalham com pessoas que usufruem do rendimento social de inserção... daí eu ter referido "sem artifícios", o que significa "sem esquemas":)

Tareca disse...

deviamos estar mas é a beber um mazagran e a conversa ;), que este fim de dia.. é mesmo o que pede, ali fora, no jardim que nao tenho limpo por calanzice.. ando mole como os dias..

T disse...

Acusam-me muitas vezes de ser demasiado pragmática. Mas gosto de dar utilidade ao que sinto. Ou reciclar de alguma forma os sentimentos.
Tarecas vais recuperar a tua casa de certeza!