14 de abril de 2009

Ainda o poema de Denise Levertov

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Quando ontem postei o poema de Denise Levertov sobre a guerra no Vietname certifiquei-me, antecipadamente, se existiria alguma tradução em Português. Na inexistência da mesma, segue uma versão livre que produzi a pedido do gin-tonic e que passo a postar, a pedido do Carlos. Acrescento ainda que, na tentativa de não adulterar muito o conteúdo do texto, arrisquei alguma liberdade no sentido de não alterar significativamente o seu sentido estético:

Como eram eles? Agora, o silêncio

Os vietnamitas
Usavam lanternas de pedra?
Praticavam rituais
Para saudar a abertura dos botões em flor?
Eram dados a risos tranquilos?
Utilizavam osso e marfim,
Jade e prata como ornamentos?
Tiveram um poema épico?
Distinguiam entre discurso e canto?

Senhor, os seus corações leves empederniram.
Não existe memória se nos jardins
As lanternas de pedra iluminavam caminhos aprazíveis.
Talvez se tenham reunido por uma vez para se deliciarem com o abrir dos botões,
Mas depois da morte das crianças
Estes cessaram.
Senhor, o riso é mais amargo do que uma boca queimada.
Um sonho passado, talvez. Os ornamentos são para a alegria.
Todos os ossos foram carbonizados.
Já não existem memórias. Lembre-se:
Quase todos eram camponeses: a sua vida
Era o arroz e o bambu.
Quando nuvens pacíficas se reflectiram nos arrozais
E o búfalo da água caminhou, tranquilo, ao longo de plataformas,
É provável que os pais tenham narrado aos filhos contos ancestrais.
Quando as bombas destruíram esses espelhos
Só houve tempo para gritar
Ainda subsiste um eco
Das suas palavras que eram como uma canção.
Existem relatos de que o seu canto se assemelhava
Ao voo das borboletas da noite à luz do luar.
Quem o poderá dizer? Agora, o silêncio.

Denise Levertov

6 comentários:

Unknown disse...

Teresa,

Na minha humilde opinião, fizeste uma excelente tradução.

Só há um verso que não me parece muito bem conseguido:"Talvez há um sonho atrás"

Eu manteria: "Um sonho atrás, talvez" ou "Um sonho passado, talvez"
Que te parece?

teresa disse...

Parece-me bem, pois já ouvi "reprimendas" relativamente a "há... atrás" com as quais, aliás, concordei e me apressei à correcção, (embora haja redundâncias mais permitidas do que outras, decididamente nunca "eu antes" prefiro, mas também tenho cá livros (prova provada) de um consagrado escritor que utiliza "desfolhar páginas" em vez de "folher páginas", quando a personagem não os está a vandalizar...

gin-tonic disse...

Claro que o inglês técnico dele não dá para botar palavra sobrte a qualidade da tradução. Mas sente, estas coisas também se cheiram, que estamos poerante uma bela tradução. Tal como ele pansava, apanhou, mais ou menos, o espírito do poema, mas não a sua alma.
Tem como ideia ideia que, para além da publicação dos poemas na língua original, deverá também ser anexada a respectiva tradução. Ele agradece. Pensa que outros, que não dominam convenientemente o inglês. também.
Obrigado.

teresa disse...

gin,
Por isso mesmo existem as tais edições bilingues: o poema original e o poema traduzido ao lado. Lembro um caso de poema admirável que por cá tenho, trata-se da Waste Land do não menos admirável T.S.Eliot (se não estou em erro, da "Ática").
E não há que agradecer, pois é mais uma oportunidade para conviver com um texto tão significativo, após outras leituras que vou interrompendo para refrescar a mente.

rosarinho,
a sugestão foi aceite e como a expressão apontada é mais bonita foi, por isso mesmo, devidamente corrigida:)

Unknown disse...

Traduzir poesia é complicadíssimo.

Neste "dream ago" (sonho passado)parece haver uma sugestão "intraduzível" (para mim)uma espécie de ultimatum que paira no mundo do "eu" poético, causado pelo testemunhar do horror da "morte das crianças", de alguém que acredita não mais ser possível voltar a nutrir um sonho ( e depois uma réstia de esperança, separada por uma vírgula ("perhaps" =talvez).

E como se traduz isto?

"No último sonho passado"???
É muito complicado...

Unknown disse...

Enganei-me no uso de "no". Deveria ser "um".
Mas continuo impotente nesta babilónia.