11 de dezembro de 2006

Vive la republique!




Começaram logo os vivas à República. A dizer a verdade, , foram eles que proclamaram a República naquela encruzilhada. Os Mitelos - faces sem cor, olhos arregalados e inteligentes- puxavam para o Dr Afonso Costa. No segundo esquerdo era-se "almeidista": o tribuno tinha tratado o sr Augusto dumas gripes e convertera o Gabriel à República erguendo-o no ar e chamando-lhe meu correligionário com a linda voz bem timbrada. Até o Sr Sotavento, leitor de A Luta, inspector de obras públicas e pai de duas meninas namoradeiras, com carinhas de bilhete postal ilustrado, e doente da bexiga (a senhora tirava-lhe as águas com uma seringa, era sabido), que perguntava por todos os lados com ar de inquietação e com os olhos cor de água parada, sempre húmidos, de lágrimas desnecessárias: " O que há? Que é que há?"- até ele respondia lá do quintal aos vivas.
Do outro lado o prédio ficou mudo: no rés do chão direito morava o capitão de infantaria que andava por fora havia dias, o tal a quem a esposa, uma oxigenada sem papas na língua, obrigava a lavar a louça: a que tinha feito calar a ópera do Gabriel.No Primeiro andar do Sr Sepulcra (mas ó criatura, quantas vezes eu lhe tenho dito que o nome dele é Sepúlveda!), aí reinava um silêncio justamente sepulcral. Em casa de Mariquitas, Marido &Filhos, ia a mudez da consternação. Ela devia ter medo de perder os empenhos e as relações da alta na Baixa.

O prédio embandeirou, mas só do lado esquerdo, numa espécie de hemiplegia republicana.Havia sempre um resto de serpentinas do Carnaval passado, e foi uma festa. Começava-se a vender na rua bandeiras, alfinetes, postais e globos de vidro coloridos com cenas e retratos dos homens do regime. Era uma Vida Nova que raiava. (...) afluíam de todos os lados os heróis de última hora: as barricadas até ali quase vazias, transbordavam de combatentes, eriçadas de armas que não tinham chegado a dar fogo. Tiravam-se grupos memoráveis, para depois se dizer: "Eu também lá estive"
A República estava de antemão solidamente implantada nas almas e nas ruas. Lisboa transfigurada!


Image Hosted by ImageShack.us
In "A Escola do Paraíso", José Rodrigues Miguéis
Fotos do Arquivo Municipal de Lisboa

Sem comentários: