18 de julho de 2006

TPC da Maria

Em relação ao tpc da Maria, eu posso falar de cadeira porque eu sou o ser mais solitário de Portugal. Algumas das minhas credenciais incluem ter sido a única pessoa a ir três dias à Expo 98 sempre sozinha e a passar a última madrugada inteira da exposição sozinha. Também fui o único a ir ao Super Bock Super Rock do ano passado ver Lenny Kravitz e The Liars e Pixies completamente sozinho. Já fui à Festa do Avante completamente sozinho. E fui também o único solitário a passar um dia no Rock in Rio completamente sozinho. Ir passar um mês de férias ao estrangeiro completamente sozinho já é rotina. Assim como há vários anos, uma década, que almoçar e ou jantar sozinho é a minha rotina mais normal. Ninguém vai a um festival de música sozinho. Ninguém passa férias sozinho. Só eu, só eu. E os exemplos reais poderiam continuar…

Agora bem sei que assim como há muitos que tomam refeições sozinhos, também há muitos que vão ao cinema sozinhos. No entanto, ninguém vai tantas vezes ao cinema sozinho como eu. Primeiro porque não é muito fácil ir tantas vezes ao cinema como eu e segundo porque os solitários em geral preferem o dvd. Eu não. Eu vou dezenas de vezes sozinho ao cinema.

E ao teatro? Quem é que se lembra de ver um jovem saudável sozinho no intervalo de uma peça na Cornucópia? Só eu vou sozinho ao teatro em Lisboa. Ou melhor, ia, porque deixei de ir ao teatro sozinho, é coisa que já não consigo fazer, pelo menos em Portugal.

Até o criminoso que dorme no chão ao lado da minha casa tem mais companhia que eu.

Como é que se combate a solidão? Esforçando-me por manter amizades e contactos. O esforço acaba por não ser esforço nenhum porque para mim é naturalmente fácil dar mais importância às pessoas do que às actividades, por um lado e, por outro lado, agrada-me iniciar-me em coisas em que nunca tinha pensado. Outra forma é valorizar as redes de pessoas: sair com pessoas que me apresentam a pessoas que me apresentam a outras pessoas que… É assim por exemplo que ainda outro dia me encontrei sem grande surpresa a chegar às duas da manhã à festa de aniversário de uma pessoa que não conhecia amiga de uma amiga de uma amiga minha. E sem ter planeado coisíssima nenhuma.

Às vezes quando a solidão bate mais forte, convém provocar um nível de concentração elevada da nossa inteligência, por exemplo, ler um livro difícil, assim uma coisa técnica e completamente fora da nossa formação. Ou ler qualquer coisa que tenha ficado para trás (no meu caso é uma história contemporânea da Jugoslávia, o único que livro que deixei incompleto).

As técnicas de esquecimento da solidão por via da alienação fazem mal. Quando a alienação acaba, o sofrimento é ainda muito maior. É por isso que utilizo cada vez menos a internet, cada vez menos o messenger e cada vez menos deslocações ao Colombo, às Fnacs e aos centros comerciais.

A solidão entranhada é aquela de que quando se está com pessoas às vezes dar vontade de andar em sentido contrário ou de ir para a varanda. É ainda sentir-se de vez em quando pressionado pelos outros quando os outros são bons para nós. A solidão entranhada patológica é ter medo e recusar que alguém invista emocionalmente em nós.

A solidão intelectual: leva ao tédio e é desagradável, por vezes mesmo irritante e exasperante. Mas não magoa fundo.

A solidão afectiva é muito triste. Mas também há ainda um outro tipo de solidão que pode ser muito duro: a solidão ideológica. Não gostar de nenhuma religião das importantes nem de nenhuma das menos importantes, não gostar de nenhum partido, discordar de tudo, aborrecer com todos os argumentos de todas as pessoas, aborrecer com os argumentos sempre os mesmos com os quais se concorda, desgostar das pessoas em geral, ficar com os nervos em franja quando uma mulher elegante cospe no chão ou um executivo diz caralho, desdenhar dos que vestem bem e dos que vestem mal… tudo isto resulta numa grande solidão. Pior ainda, é o exílio da normalidade: o horror de observar as vidas normais e sentir repulsa ao mesmo tempo que se compreende que as vidas normais são as vidas da não solidão. E o horror de observar o evoluir das vidas não normais, também elas repugnantes e inestéticas.

Um vinho do Porto tinto de boa qualidade ou um “café vienense” quando se está sozinho sabem melhor. E sabe melhor estar-se sozinho na sua companhia [é uma catástrofe existencial os cigarros fazerem mal ao sangue e encurtarem a vida, as cigarrilhas saberem mal, os cachimbos darem tanto trabalho e os charutos serem tão caros].

1 comentário:

Anónimo disse...

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