2 de dezembro de 2005
O menino entre as mulheres.
"Em casa dele não há a atmosfera, os aromas, a leviandade, a excitação das vidas femininas galantes, amorosas: nem sensualidade nem mistério. A mãe é carinhosa e viva , mas um tanto severa e de uma puritana compostura. Aplica o pó de arroz com a borla amachucada, murcha e pouco apetitosa. O pai, risonho e branco, mas neutro e reservado, talvez tímido, usa um sabonete cheiroso e um tónico capilar contra a calvície precoce. Mas, por muito que a gente espreite ou escute, nunca nota nada de inquietante. (Só uma vez a mãe andou a perder sangue, dizia ela que era dos ouvidos e do nariz, duma gripe que teve, e ele nunca pode tirar a limpo porque é que uma das mulheres falou em desmancho, e que ter três filhos era uma bonita conta, a conta-que-Deus-fez, e tal.) Se ele faz perguntas, a mãe abre-lhe olhos feios!
Ao contrário, a casa da Miquelina é um antro de excitação, embora sem derivativos nem gratificações. Há mulheres de olhos lustrosos, cor de violeta ou pervinca, às vezes macerados, doridos com olheiras fundas, roxas; caras redondas,de boneca, epidermes alvas, rosadas e macias, com frequência pálidas (diz-se que é das noitadas), e a Sarah tem sardas, o nome sugere isso mesmo. Bocas rasgadas, de sorrisos húmidos e quentes, com dentes que brilham ; caracóis e encanudados, mãos cuidadas, rendas e pulseiras, perfumes e cremes, pós de arroz leves. Quando ali entra, envolve-o logo uma atmosfera carregada de feminilidade, uma indefenível , pesada, quase sufocante sensualidade, que o embriaga e enlanguesce..."
José Rodrigues Miguéis
" Escola do Paraíso"
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1 comentário:
Capa de Manuel Correia proprietario dos Estudios Cor
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