Agora há pouco, no metrô, indo votar, vi que o sujeito sentado ao lado da minha filha, à parte as tatuagens em forma de teias de aranha em seus cotovelos, trajava uma camiseta de propaganda da Glock. A Glock, saibam os que não souberem, é uma fábrica austríaca de armas de fogo cuja especialidade são pistolas. Dizem que está em vias de se instalar por aqui, e que, parece, já tem um escritório em São Paulo.
Desnecessário especular o voto do cara.
Segurei uma arma de fogo pela primeira vez aos 35 anos, no stand de tiro da Academia de Polícia aqui de São Paulo. Era um revólver 38, marca Rossi. Cabo de madeira e o metal da cor escura a que se chama "oxidada", embora nada tenha a ver com ferrugem. Éramos seis ou sete para dar nossos primeiros tiros oficiais; eu estava muito nervoso.
Sobre a bancada, diante de cada um de nós, estavam os revólveres e seis cartuchos. Um stand de tiro é um lugar de regras poucas, mas que têm de ser seguidas à risca: nunca virar a boca do cano na direção de ninguém, mesmo com a arma aberta e descarregada; nunca deixar de usas protetores visuais e auriculares; cumprir qualquer instrução exatamente da maneira determinada, e não de outra.
O que deveríamos fazer: tomar a arma com a mão direita, segurando o tambor entre o médio e o anelar; colocar um cartucho, com a mão esquerda, na cavidade esquerda superior; fechar o tambor, e depositar a arma sobre a bancada, com o cano virado para o alvo lá longe. Cumprida essa etapa, o professor, muito rigoroso, nos mandou ficar em posição de tiro: a arma segura com as duas mãos, a esquerda servindo de apoio para a direita, que dispararia (no meu caso, que sou destro); os braços estendidos, mantendo a arma à altura do rosto; as pernas afastadas e levemente flexionadas.
Ao comando, disparei. A arma era pesada e quase pulou das minhas mãos com a força do coice, que eu havia subestimado. Mesmo com os protetores de ouvidos, os estampidos, assim de perto, eram ensurdecedores, e o cheiro de pólvora imediatamente se espalhou.
Minha sensação foi muito ruim. Ficou evidente, de forma física, aquilo que eu presumia de modo apenas intelectual: o de que uma arma é uma coisa poderosa. Sim, a palavra que me veio à mente foi essa: poder. "Isto", pensei comigo, "pode mesmo matar".
De lá para cá, não venço minha aversão pelas armas. Tenho uma e sou um atirador razoável: me dou melhor com pistola que com revólver, e melhor com carabina que com pistola. Passei com nota 8,5 numa prova em que a aprovação se dava com um 7. Mas nunca usei a minha, e faço votos fervorosos de não usar jamais, mesmo sendo a minha profissão das mais filhas-da-puta que há.
Votei, como se sabe, pela não proibição. Pelas razões já discutidas e esculhambadas em muitos lugares. Não cogito ter uma outra arma e devolverei essa que tenho com alegria quando deixar essa profissão, o que espero fazer o quanto antes. Mas digo e repito: quem quiser, deve poder. "Direito", essa palavra que desgosta a gente quando não fecha com as nossas vontades nem com as nossas idéias, é um termo esquisito, mas representa, dizem, um estado, com o qual devemos conviver.
O próximo - sim! sim! - é para acabar com essa porqueira de voto obrigatório.
Desnecessário especular o voto do cara.
* * *
Segurei uma arma de fogo pela primeira vez aos 35 anos, no stand de tiro da Academia de Polícia aqui de São Paulo. Era um revólver 38, marca Rossi. Cabo de madeira e o metal da cor escura a que se chama "oxidada", embora nada tenha a ver com ferrugem. Éramos seis ou sete para dar nossos primeiros tiros oficiais; eu estava muito nervoso.
Sobre a bancada, diante de cada um de nós, estavam os revólveres e seis cartuchos. Um stand de tiro é um lugar de regras poucas, mas que têm de ser seguidas à risca: nunca virar a boca do cano na direção de ninguém, mesmo com a arma aberta e descarregada; nunca deixar de usas protetores visuais e auriculares; cumprir qualquer instrução exatamente da maneira determinada, e não de outra.
O que deveríamos fazer: tomar a arma com a mão direita, segurando o tambor entre o médio e o anelar; colocar um cartucho, com a mão esquerda, na cavidade esquerda superior; fechar o tambor, e depositar a arma sobre a bancada, com o cano virado para o alvo lá longe. Cumprida essa etapa, o professor, muito rigoroso, nos mandou ficar em posição de tiro: a arma segura com as duas mãos, a esquerda servindo de apoio para a direita, que dispararia (no meu caso, que sou destro); os braços estendidos, mantendo a arma à altura do rosto; as pernas afastadas e levemente flexionadas.
Ao comando, disparei. A arma era pesada e quase pulou das minhas mãos com a força do coice, que eu havia subestimado. Mesmo com os protetores de ouvidos, os estampidos, assim de perto, eram ensurdecedores, e o cheiro de pólvora imediatamente se espalhou.
Minha sensação foi muito ruim. Ficou evidente, de forma física, aquilo que eu presumia de modo apenas intelectual: o de que uma arma é uma coisa poderosa. Sim, a palavra que me veio à mente foi essa: poder. "Isto", pensei comigo, "pode mesmo matar".
De lá para cá, não venço minha aversão pelas armas. Tenho uma e sou um atirador razoável: me dou melhor com pistola que com revólver, e melhor com carabina que com pistola. Passei com nota 8,5 numa prova em que a aprovação se dava com um 7. Mas nunca usei a minha, e faço votos fervorosos de não usar jamais, mesmo sendo a minha profissão das mais filhas-da-puta que há.
Votei, como se sabe, pela não proibição. Pelas razões já discutidas e esculhambadas em muitos lugares. Não cogito ter uma outra arma e devolverei essa que tenho com alegria quando deixar essa profissão, o que espero fazer o quanto antes. Mas digo e repito: quem quiser, deve poder. "Direito", essa palavra que desgosta a gente quando não fecha com as nossas vontades nem com as nossas idéias, é um termo esquisito, mas representa, dizem, um estado, com o qual devemos conviver.
O próximo - sim! sim! - é para acabar com essa porqueira de voto obrigatório.
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