Os Jovens
“No meu tempo” ser jovem era ser rebelde, mal encarado até: nos 50s era-se rockabilly, usavam-se cabedais e penteados “agressivos”, nos 60s era-se hippy, não se cortava o cabelo e não se tomava banho muitas vezes porque o suor é natural, nos 70s fumam-se drogas já mais sofisticadas e surgem os punks (“punk” quer dizer “vagabundo”, andar na moda nos 70s consistia em... ser vagabundo), nos 80s há os efeitos do rock (ainda), por um lado, e dos penteados e brinquinhos do George Michael e dos Depeche Mode, por outro. Nos 90s (eh eh eh) são os cabelos compridos, as camisas de flanela vindas de Seattle (a história verdadeira disto é surpreendente) e os calções. Finalmente, em Portugal nos anos zero, ser rebelde e andar na moda é ser “betinho”, é vestir roupa de marca! É usar uma camisa da marca que o papá usa e um penteado como o da mamã! Os jovens dos “Morangos com Açúcar” são assustadores, completamente aterrorizantes pelo seu aspecto... bem comportado, preppy, com roupas caras e de marca e de marcas caras.
O próprio uso dos piercings já não serve o propósito de dar um ar rebelde mas sim o de mostrar que se tem dinheiro para fazê-los. Aliás, os piercings são cada vez mais uma moda dos preppies. A razão disto é o facto de serem... caros. Apesar do efeito visual que provocam, como são caros, acabam por atrair aqueles que não estão minimamente preocupados em parecer rebeldes e hostis mas simplesmente em parecer... ricos.
Em Berlim, os estudantes universitários são reconhecíveis facilmente: andam de bicicleta, com cadernos e, pasme-se!, com livros em sacolas, andam com cachecól e carapuço. Há quem tenha trabalhado nas férias e comprado uma magnífica gabardina de cabedal do bom e comprada em segunda mão, depois de usada pelos três filhos de uma senhora que o comprou, na década passada... Se querem parecer um pouco mais maduros, vestem um casaco que o pai já não usa, escolhendo-o de entre os vários casacos que foram usados e reusados até ficarem completamente gastos. E o casaco acaba por cair bem. É castiço. São obviamente estudantes universitários. Toda a gente utiliza roupa da década passada. Mas desenganem-se aqueles que pensam que os berlinenses fazem isso por estilo, porque está na moda ser retro: usam sim roupa datada porque ainda não está estragada ou porque é barata. Não há de facto qualquer preocupação em ser revivalista ou em ter estilo nisso. Há somente a preocupação de andar vestido sem gastar muito dinheiro.
Em Lisboa, os estudantes universitários não chegam à faculdade com nada menos válido do que um Volkswagen Polo a diesel zero quilómetros comprado o Verão passado. E se se atreverem a aparecer com menos do que isso, desculpam-se dizendo que a revisão na marca do Golf GTi ou do Audi A3 é muito demorada e arranjaram-lhes um carro de substituição. Ou então, estacionam afastados da universidade para ninguém os ver a sair do Renault que era do pai...
Há também quem use cachecól porque o cachecól faz parte do estilo e é de uma marca cara. E fazem-no mesmo já durante o tempo quente. Livros é que não: livros e mochilas são coisas que se deixa de usar aí por volta do 10º ano, levar apenas um conjuntinho de cadernos tem muito mais estilo.
Por falar em cachecóis, em Lisboa regista-se este fenómeno que só por si já constitui motivação para um novo ramo da sociologia (a sociologia da roupa): como toda a gente usa roupas de marca, para alguém se destacar, não tem outro remédio senão usar muitas mais marcas ao mesmo tempo do que os outros, para isso usando muito mais roupa ao mesmo tempo do que os outros. Não é que esteja frio, as temperaturas mínimas de Lisboa são as mais altas de toda a Europa, e nem vale a pena falar em pluviosidades: mas há rapazes e raparigas que insistem em usar uma camisa por cima de outra, ambas de marca e cada uma de uma marca mais cara que a outra, e há raparigas e rapazes que usam dois casacos, um por cima do outro, por exemplo um de cabedal (obviamente de marca e em primeira mão) e outro de outra qualidade qualquer (desde que seja caro e de marca).
Na Alemanha não se usam dois casacos. Não é por falta de frio, é porque se calhar só há um casaco no armário, quer serve perfeitamente bem, desde há dois Invernos atrás... e se só há um casaco no armário não é, de facto, por falta de dinheiro mas sim por mera sensatez económica: se o que existe serve e não há desejos de ostentação, para quê comprar mais?
Por exemplo, hoje: hoje está quente, hoje está calor, hoje está muito calor. As minhas clientes compatriotas traziam ténis Nike nos pés enquanto que uma cliente alemã trazia umas havaianas (que não eram da marca “Havaianas” mas sim de uma marca branca qualquer, ou melhor, de uma marca anónima). Será que as portuguesas têm frio nos pés? Será que as supostamente frias e gélidas saxonas têm calor excessivo em terras lusitanas? Ou será que os ténis da Nike custam para cima de 75 euros no Colombo e, logo pelo seu preço, interessam às portuguesas, enquanto que as chanatas custam 3 euros no chinês, não poderiam ser mais frescas e, portanto, servem perfeitamente à alemã?
Um exemplo de Inverno: uma outra cliente minha alemã aparece-me com um fato de treino, de rapaz, daquele género que eu próprio me recusei definitivamente a usar quando passei da preparatória para a secundária, há mais de uma década atrás. Por outro lado, os meus clientes nacionais parecem todos que acabaram de chegar (ou que ainda vão) para um almoço no clube de yachting... Como explicar o contraste? É simples: a alemã está-se nas tintas para que os outros pensem ou deixem de pensar que ela é rica ou pobre, ela tem preocupações mais importantes do que isso. Já os portugueses, que são ricos há relativamente pouco tempo (alguns), têm essa ansiedade de mostrar que são ricos.
No estrangeiro, a maneira mais simples e infalível de identificar portugueses é olhar para a roupa. Amesterdão, Damrak, 28 graus de temperatura: toda a gente, locais e turistas, com sandálias, chinelos, t-shirts da feira, calções vulgares, camisas do algodão mais barato possível compradas nos muçulmanos. No meio desta massa humana sem estilo, suada e baratamente vestida, eis que se destaca uma camisolinha sobre os ombros da marca Ralph Lauren a acompanhar lado a lado um pullover Lacoste usado por cima de uma camisola Lacoste. Ambos os pares de pés calçados com botas que pelo calor que provocam mas, sobretudo, pelos preços que têm estariam absolutamente desenquadradas daquela cidade, naquele Verão. De facto, estavam desenquadradas de todas as cidades e de todos os Verões e demais estações do ano, excepto das cidades e climas de Portugal. Com a minha t-shirt já com manchas de relva e de chocolate líquido aproximei-me sorrateiramente deles, por trás. Falavam português.
Já sabia que falavam português. Roupa a mais, marcas a mais, caras demais. É óbvio.
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