30/05/2004
"De rerum vaginae (mais velharia, desta vez com latim certo)
Meus caros: falemos de bocetas. Ou bucetas. Vaginas. Conas. Xecas. Xoxotas. Xerecas. Xanas. Prechecas. Piciricas. Buças, pastéis de pêlo, carnes mijadas, perseguidas, pombinhas, chibius, periquitas, enfim: bocetas.
A palavra “boceta” é muito feia. Dizia meu pai, que sabia muito de boceta e pouco de português, que essa palavra designava, originalmente, uma caixinha onde era guardado fumo, não sei se de corda, de cachimbo ou rapé. “Fumo”, não custa lembrar, é um dos apelidos do pênis. Há outros, mas não cabem aqui. Pois então: como o lugar onde se leva fumo é boceta, ficou. Desconfio dessa explicação tão redondinha, mas, como não tenho outra, vai essa mesmo.
O órgão boceta também não é lá muito bonito. Dizer que é “feio pra caralho”, embora poeticamente justo, é de mau gosto; digamos que a boceta tem o mesmo ar adoentado das plantas carnívoras. E carnívora certamente ela é. Claro que as bocetas variam entre si na forma, no aspecto e na textura; eu costumo prestar muita atenção naquelas assim mais desbeiçadas, mais caídas, com ar mais desanimado. Taí: a boceta é um órgão com um ar desanimado. A despeito da nossa animação.
Um dos grandes mitos a se desfazer sobre a boceta é que não se mija por ela. Verdade. O xixi das mulheres corre por outro caminho, curiosamente também chamado uretra. No entanto, a boceta é um órgão excretor – por ela correm a menstruação e os diversos tipos de corrimentos que as mulheres vêm a ter, pelas mais diversas razões. Mas é preciso admitir que os bebês não são excreções. Por mais que o Congresso Nacional nos leve a pensar o contrário.
A meditação atenta sobre a boceta já me fez pensar que Deus existe. Não por causa dos êxtases do orgasmo, que, graças a Deus, nada têm a ver com Ele. Mas sim porque é um órgão que vem lacrado. É, portanto, aferível. É verdade que burla-se tudo neste mundo, e não há nada que agulha e linha não façam, mas pensem bem: se Deus faz mesmo tantas restrições ao uso indiscriminado da boceta, o hímem faz sentido. Tem uma função. É lógico. Mas há deuses que não estão nem aí pro que as mulheres fazem das bocetas, e na verdade até as usam um tanto eles mesmos. Enfim, não é na boceta que se resolverão os mistérios religiosos. Embora todos comecem lá.
Sendo basicamente um feixe de músculos, a boceta possui capacidades físicas diferenciadas. Nas Filipinas, na Tailândia e em outros lugares exóticos (vejam só: um brasileiro se dando ao luxo de achar os outros exóticos!) as mulheres aprendem cedo na vida a dominar uma arte chamada “muscle control”, controle muscular. Esse dito controle permite que elas, fazendo uso apenas da boceta, executem tarefas que os homens sem braços aprendem a fazer com os pés. Como abrir garrafas e apertar porcas. Pintar quadros. Fumar. A variedade de ações que uma boa boceta pode por em prática é imensa. A boceta é versátil.
Os músculos vaginais tendem a se amoldar à forma do pênis que mais freqüentemente os penetra. Uma esposa fiel pode, mediante gesso e alguma abnegação, fornecer um símile bastante aproximado do pênis do marido. É um molde confiável. Se um pastor televisivo debandasse pro culto de Príapo, bastava medir sua esposa para fazer as estátuas.
Embora cavernosa e nada aerodinâmica, a boceta é mais limpa que o pênis (que também é cavernoso, falando nisso, mas bem mais afeito a varar o ar). A boceta não forma queijinhos, embora às vezes possa excretar secreções amanteigadas. A boceta não fede (muito), mesmo em períodos de estiagem. E pode-se raspá-la sem desdouro nem vexame em vestiários após o futebol.
Permanece, no português falado no Brasil, a eterna controvérsia entre “boceta” e “buceta”. A suave e malemolente dicção nacional privilegia a forma “buceta”, mas os defensores da norma culta não abrem mão da “boceta” – errando, a meu ver, já que boceta vem do latim "buxis", pequena caixa. Escritores e poetas não se resolvem: uns preferem uma forma, outros preferem outra, mas a polêmica é contida, nada tem de furibunda.
Uma vez um sujeito pintou um quadro chamado, se não me engano, A Origem do Mundo. Era uma boceta. Sutil, mas todo mundo conseguiu entender. A cornucópia, falando nisso, é uma boceta. Uma boceta inesgotável. Envolta por Helena, uma boceta fez a desgraça de Tróia. Aliás, a boceta fez a civilização ocidental. Quem diz isso é Camille Paglia, que tem uma, e deve portanto saber do que fala.
Seja como for, nossas relações com a boceta não são superficiais jamais. Se forem, não são exatamente relações. Temos – ou deveríamos ter – pela boceta um respeito profundo, e somos por ela levados a um estranho paradoxo. Dependendo da boceta, também nós homens temos inveja do pênis. Foi sutil, mas sei que todos entenderão."
Escrito por Orlando às 15:29
in http://consumointerno.zip.net
(esta porra de WinNt não dá pra meter links..grrrrrrr)
3 comentários:
MUITO bom o texto!!!!!!
Apesar de falar sobre bocetas, este texto é do caralho!
Texto muito bom mesmo. Concordo com o FNORD e tive medo da indicação do Il Diagonale. Enfim,legal mesmo.
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