1 de outubro de 2011

Uns filetes de espada preto



Muitas coisas se passam ao longo de uma semana de trabalho : aproveitar as viagens de comboio para ler as notícias e avançar num romance de Lobo Antunes ou ouvir, espantada, os relatos de algum motorista de táxi, quando as exigências do dia fazem fugir de transportes apinhados serão pequenas parcelas de uma operação de razoáveis dimensões. O conceito de open space vai ganhando novos significados dado, algumas das vezes, fazer parte dos compromissos andar um pouco pela cidade , o que se encara, mesmo na presente canícula, como um bem-vindo combate ao sedentarismo dos tempos.
A última deslocação de táxi escolhida pelo cansaço poderia fazer transbordar afluentes de prosa, mas ficará zelosamente guardada por respeito a dores alheias de uma profissão tantas vezes solitária- a de condutor deste meio de transporte - , o que não exclui futuros aproveitamentos para um fragmento de ficção quando a distância esbater inconfidências.
No meio de exigências profissionais, debates que profissionalmente passaram a integrar a agenda semanal vão trazendo boas e más surpresas. Tenta-se olhar as últimas com sentido de humor (mais ou menos britânico, mais ou menos do norte) para se ir levando com alguma leveza algo de muito sério a que se dá o nome de Vida enquanto conceito pessoal mas, sobretudo, comunitário.
Com os afazeres domésticos a chamar, improvisa-se um almoço menos lesivo das visíveis afeções laríngicas da descendente mais nova, confessando-se ter a ementa inspiração numa inveja benéfica, trazida por um relato de recente piquenique em dia de Outono estival : sentadas num banco de zona arborizada da cidade, perto do meu atual «quartel», duas amigas estenderam antiga e irrepreensível toalha branca e bordada, pratos de porcelana, talheres e copos de vidro para saborearem uns fantásticos filetes de espada preto (sem insinuação a uma qualquer atlântica região insular já tão desgastada na opinião pública), acompanhados de arroz de feijão. Hoje a versão caseira foi adaptada a uma filha a antibiótico e de voz nasalada, tendo-se substituído o arroz por uma açorda de tomate e coentros. A escolha do maravilhoso peixe foi feita a fim de afastar engrimanços e maleitas, não aconteça na prática o vaticínio popular do mal conhecido como ficar «aguada», já que ver o cabelo indomável e no ar faria mal à auto estima e, pior ainda, seria assustador para a população circundante.

2 comentários:

Fernando Manuel de Almeida Pereira disse...

Teresa
Um beijinho de parabéns, e obrigado pela S. escrita, que é excelente e cativante.
Muitos
Fernando

teresa disse...

Muito obrigada, Fernando.

Fiquei muito sensibilizada com a lembrança.