14 de junho de 2011

A minha cidade em impressão digital



Noites de Alfama desde sempre comemoradas. Escolhe-se um final de dia que se suspeita menos povoado a fim de se saborear o momento. Os santos populares estão aí, com destaque para o padroeiro de Lisboa.
A sangria em jarro típico sabe como antigamente. A salada vem com pimentos assados na primeira versão, sendo que na segunda já se encontra desfalcada. As sardinhas e as febras, servidas em pratos de plástico, acabam por nos situar no tempo. Escolhendo-se um espaço de rua onde toda a família se mobiliza junto ao fogareiro, com excepção para os netos a quem, em breves intervalos, se pega ao colo, parece ter o tempo esquecido a correria habitual. As marcas do descartável não são suficientes para diluir memórias.



Fica-se a pensar que são estas tradições indelével impressão digital. Evoca-se alguém que um dia afirmou: «estou numa casa melhor, tenho condições, mas faltam-me os almoços de domingo, cá fora, com todos os vizinhos à volta da mesa». Sorrio ao evocar o fantástico Roma de Fellini com todo o bairro à volta de uma toalha de quadrados, com a música a ecoar, repetitiva. Nem falta o bailarico de arraial, com um conjunto a esgotar um refrão sobre um coração que bate, bate e não se cansa, apregoando-se de permeio a venda do fabuloso cd pela módica quantia de cinco ‘aéreos’.

12 comentários:

Branca disse...

Adorei as fotografias, a cor, o texto...talvez porque este ano não fui a Alfama e isso põe-me saudosista, mas gostei de tudo, chegou-me cá o cheirinho das sardinhas! :))

teresa disse...

E se cheirava a sardinhas, Branca.

O antídoto foi o de se ter trazido dois vasos de manjericos que eliminaram o cheiro impregnado na roupa e no cabelo:)

jose quintela soares disse...

Excelente post, Teresa.

teresa disse...

Obrigada, José Quintela Soares.

Apesar de tudo, Alfama anima-nos:)

Carlos Caria disse...

Lisboa sempre Lisboa, bairro a bairro, rua a rua, viela a viela, beco a beco, desde o Menino de Deus ao recanto mais escondido, Lisboa sempre Lisboa, é vivida com o encanto e magia da noite de Santo António, como só os Lisboetas, sabem viver e sentir.
Boas Festas Populares.

T disse...

Eu estive a trabalhar em Alfama toda a noite e vi o outro lado da noite. Não achei grande graça. Mas pelas sete da manhã não há nada que resista. E vivam os homens da Limpeza Urbana que tudo removeram.

teresa disse...

Boas festas populares, Carlos Caria.

teresa disse...

Uma outra perspectiva, T.

Vivam os homens da Limpeza Urbana, pois então:)

Luísa disse...

Oh, Teresa, não diga que o Santo ANtónio é padroeiro de Lisboa que ainda lhe batem... é que toda a gente diz que ele é, mas como na realdiade não é, há uns loucos que passam sempre que ouvem/lêem algo do género...

Agora vou-lhe fazer um bocadinho de inveja. Por aqui ainda há esses jantares de bairro. Não é de bairro, é mais de prédio, não se comem sardinhas, é mais salsichas, não se bebe vinho, é mais cerveja, mas o "cumbibio" é o mesmo...
As pessoas em Portugal estão demasiado fechadas sobre si. E se eu achava que os suíços eram frios, eu acho que os portugueses estão pior... Aqui não passam a vida em casa uns dos outros, nem a beber copos depois do trabalho. A vida não o permite (quem é que se levanta às 6h, trabalha 8h30 no duro -aqui a semana é de 42 ou 43 horas- e ainda vai beber cervejas para a tasca da esquina?!?!). Mas de vez em quando... junta-se uma cambada à porta da garagem do prédio, no rio ou lago mais próximo, no jardim público, na montanha... e fazem uma patuscada de salsinhas e pão e à meia tarde vão para casa (que no dia seguinte o despertador toca cedo!) todos felizes e contentes... era uma coisa com a qual não estava acostumada e que comecei a gostar de fazer aqui (apesar de todas as barreiras linuísticas!)...

teresa disse...

Pois fiquei um bocadinho 'esverdeada' de inveja, Luísa.
Longe da terra as pessoas associam-se de modo saudável (penso que na maioria dos casos), mesmo com os horários pesados e a vida exigente... Por cá não é bem assim. Quando encontro inesperadamente alguns amigos de juventude , confirmamos se os números de telefone continuam os mesmos, prometemos um jantar ou um modesto cafezinho e muitas vezes fica-se só pela intenção.
Sei o que é viver longe de casa e a onda de solidariedade que a Luísa aqui refere.

Luísa disse...

Ah! Desengane-se, Teresa! Este associativismo de prédio nao é entre portugueses!!!!!!!! Os portugueses encontram-se nos centros portugueses, clubes e assim. As mulheres de um lado: falam mal de tudo e todos; os homens do outro: jogam cartas aos berros e bebem minis. É triste, mas é a realidade por aqui (aqui entenda-se a minha cidade e é com algumas, raras!, excepçoes) e é por isso que nao convivo com portugueses. O meu convívio é com suíços e alemaes... E tenho uma relaçao bastante agradável com alguns vizinhos aqui do prédio (tem havido mudanças, por isso nao conheço toda a vizinhança). Sao pacotes de biscoitos no Natal, um ramo de rabanetes e uma cebola pendurados na porta ou enfiados num sapato à nossa porta (juro, é um acontecimento verídico!!!!), uma flor, um convite para beber um copo de água no dia do primeiro aniversário do filho (semi verídico, eu bebi sumo, mas aqui oferecer água é sinal de muito respeito)...

teresa disse...

Interessante relato e que não me surpreende... Curiosamente, logo depois de ter deixado o meu comentário anterior, pensei que a Luísa se poderia estar a referir aos naturais do país e que talvez me tivesse precipitado... isto porque tive de passear sozinha por ruas suiças de uma grande e bonita cidade com muita emigração e quando se faz isso, os olhos e os ouvidos ficam mais atentos (e fico-me por aqui):)

A minha experiência com portugueses longe de casa terá sido decerto diferente, já que todos nos encontrávamos em princípio de carreira e a dar aulas (mesmo assim, dando-me de modo cordial com todos, há os que acabam sendo mais do que simples colegas de escola).

Quanto às ofertas no sapato e à importância de beber um copo de água, só posso dizer que é de gente sensível e de bem com a vida, já que também valorizo esses gestos:)