1 de dezembro de 2010

Responsabilidade? Pois não têm, vivem dela!



[situação ficcionada, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência]

Hoje preguicei! Estava-se tão bem no quentinho acompanhado de pensamentos moles! É para isto que há feriados.
Comemora-se o dia em que o Miguel de Vasconcelos se escondeu num armário e teve uma saída forçada pela janela.
Lavei-me mas não fiz a barba, tomei o pequeno-almoço e saí apressado, com a pressa dos que ritualizam a primeira bica como sagrada, para começarem bem o dia.
Ia bem agasalhado e de guarda-chuva, pois então, estamos em Dezembro e já se sabe, chuva e frio pela certa.
Ao passar a porta do prédio cruzei-me com a minha vizinha, coitada muito carregada com sacos de supermercado, molhada pela impossibilidade de abrir o guarda-chuva que transportava fechado e suspenso no pulso.
- Bom dia! Como está a vizinha?
- Ora como queria que estivesse?
- Pois, este tempo está muito instável!
- Não ajuda, não! Não consegui comprar tudo o queria.
- Pois! Mas vem muito carregada, mais não podia.
- O que se ganha não dá para mais.
Apressado como estava tentei encurtar a conversa de circunstância, mas a vizinha pousou os sacos dificultando a passagem, e continuou a conversa.
- Se não fosse o banco nem o pouco que comprei conseguia trazer.
- Mas está toda encharcada!
- Vizinho, como sabe lá em casa somos três e não é fácil dar de comer a tanta gente! Este Natal vai ser tudo muito contado! Prendas só no que for necessário, umas peúgas, uma camisola, pouco mais!
- É a crise! Toca a todos! Respondi ensaiando o movimento de ultrapassar os sacos e atingir a rua.
- Toca a todos o tanas! Desculpe lá falar-lhe assim…
- Não faz mal vizinha!
- … eles que pagassem melhor ordenado e já não tinha de pedir nada ao banco!
E pegando novamente nos sacos, despediu-se, deixando a porta livre.
Despedi-me também, abri o guarda-chuva e, fazendo uma excepção, pus-me a reflectir antes da bica sacralizada: É verdade! Os bancos assim vivem bem, têm lucros e futuro enquanto houver rendimentos baixos. E pensei:
Agora percebo a frase do Governador do Banco de Portugal: “ Os bancos não têm nenhuma responsabilidade na crise financeira”! Pois não têm, vivem dela!
Desculpem lá mas tenho de ir à minha bica, até já.

foto retirada em dailymail.co.uk

2 comentários:

T disse...

Pensava eu, que era só a mim que me barravam o caminho para contarem os problemas!
Viver à conta da responsabilidade alheia e tornando-a quase um fardo insuportável...Define bem a relação dos portugueses e os encargos que assumem. Tenho notado uma tristeza e agressividade crescentes na gente que me rodeia.Verdade seja, que cada vez associamos qualidade de vida a um progressivo consumo, que torna os objectos obsoletos ao fim de pouco tempo de vida...Talvez tenha que se reaprender a viver...ou a fazê-lo por puro prazer. Talvez.

teresa disse...

A preocupação vai mesmo para aqueles que não sabem como vai ser a refeição seguinte ou ainda se o dinheiro vai para a comida, água, luz ou para os medicamentos...

Quanto quem anda agressivo por não poder comprar qualquer bem de vigésima quinta necessidade, também não há paciência! E nos últimos tempos, com ou sem crise, os dias que antecedem o Natal são mesmo para ser passados no sossego de casa, para fugir aos maus humores natalícios de quem se atropela em lojas ou aos engarrafamentos.