13 de agosto de 2010

Do chinelo para o sapato




Num dia estamos de férias e no outro já não estamos.
Dito assim até parece simples e fácil, assim como se fosse do pé para a mão.
Estou exactamente na linha imaginária que separa estes dois momentos, estes dois dias, o último de férias e o primeiro de não férias. Mas não me sinto assim muito à vontade para a transpor.
Contudo, foi-me relativamente fácil arrumar aos calções de banho, a toalha, o protector solar, as t-shirts, os calções de andar por aí. Aliás até os arrumei num ápice.
Já houve, inclusivé, aquelas costumeiras trocas de votos a desejarem-me bom regresso, retribuídas com boa continuação. Só o que atrapalha mesmo é estar com dificuldade em arrumar os chinelos de enfiar no dedo e calçar os sapatos.
Já fiz as chamadas que tinha de fazer, para saber o que me espera no regresso ao trabalho, preparei a pasta com as minhas coisas, verifiquei se tenho a roupa que quero levar, calça e camisa e dou por mim a olhar para os meus pés enfiados nos chinelos que teimo em não largar.
E, revejo-me na imagem da criança que não larga o seu ursinho de peluche, colocando a mim próprio uma questão, que nunca anteriormente me tinha colocado:
- Será que hoje vou dormir agarrado aos meus chinelos de enfiar o dedo? Respondo a mim:
- Claro que não vou, mas apetece-me.
Mas porque será que não consigo largar os chinelos? Mas que coisa mais estúpida. Bolas! Os meus sapatos até são confortáveis.
Vou ter de ter uma conversa séria comigo mesmo. Esta situação não pode continuar. Não sou nada de indecisões ou ambiguidades, agora é que vai ser.
- Senta aí, temos de falar!
- O que queres! Fala logo que não tenho tempo a perder.
- Vais arrumar os chinelos ou vamo-nos chatear?
- Não posso.
- Não podes o tanas.
- Ainda não estou preparado para calçar os sapatos, vais ter de esperar.
- Não posso esperar. Tens de decidir já.
- Deixa-me pensar um pouco. Ok?
- Ok! Mas decide.
- Já decidi! Vou arrumar os chinelos.
- Boa, decidiste…
- … mas não vou calçar sapatos! Está decidido!
- Então como vai fazer, vais andar descalço pela rua?
- Não estúpido, vou calçar as sandálias.


6 comentários:

T disse...

E a foto das sandálias? Risos.

Felicidade disse...

As senhoras estão claramente em vantagem, Miguel: calçam um chinelo um pouco mais elegante e vão trabalhar de chinelos!!(risos)
Também acho esta mudança do chinelo para o sapato preto muito radical - e que tal um sapatinho vela, para ser, assim, uma coisa, digamos, intermédia, e não uma mudança tão radical?

Miguel Gil disse...

A pedido de muitas famílias, acrescentei ao post a imagem das "Sandálias do Prosador". :)

teresa disse...

Felicito o Miguel Gil pela opção acertada (a das sandálias) que, uma vez mais, reforça a importante tese de não ser a realidade dual ao contrário do que afirma o poema de Cecília Meireles aqui parcialmente em copy/paste:

«Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa estar
ao mesmo tempo nos dois lugares!»

[...]

Prova de que se pode estar ao mesmo tempo em dois lugares é esta de , em 'ambiente de trabalho' se poder ainda utilizar um tipo de calçado a lembrar férias:)

Alexandre Gil disse...

Só agora li este maravilhoso texto. Falha minha que já devia saber da existência deste blog. Gosto muito do estilo e da partilha das pequenas coisas da vida que parecendo sem importância são do mais importante que temos.

Miguel Gil disse...

Olá Alexandre. Obrigado pelo comentário. Visita-nos amiúde que vale a pena. Um abraço mano.