Era no tempo em que ao carnaval se chamava entrudo, o tempo em que em vez das máscaras brilhavam os limões de cheiro, as caçarolas d'água, os banhos, e várias graças que foram substituídas por outras, não sei se melhores se piores.
Machado de Assis
(imagem: «Caretos» em Ecos de Lamas)
Na tentativa de viajar até ao tempo em que em vez de Carnaval se falava em Entrudo, não pude deixar de relembrar tradições ainda vivas, essencialmente no que diz respeito a algumas regiões recônditas e – em grande parte por via de um maior isolamento que se vai esbatendo – mais ligadas a práticas ancestrais.
Tentando não ser exaustiva (existem interessantes exemplos de outras regiões portuguesas), cingir-me-ei a uma única tradição que nos individualiza: a dos caretos de Podence.
(«Matrafonas» imagem:Euroluso)
Nesta aldeia do concelho de Macedo de Cavaleiros, caretos endiabrados invadem o largo da capela , perseguindo as moças do povoado. São unicamente poupadas às suas provocações as matrafonas (raparigas disfarçadas de homens e vice-versa). Domingo e terça-feira gorda são dias de tropelias por parte destas endemoninhadas figuras, enfeitadas de franjas coloridas. Com o cair da noite, cessa também o tilintar dos chocalhos com que se fazem adornar. A título pessoal e não tendo estudado a matéria, evocam antigas tradições célticas (e aqui assumo poder incorrer em erro).
Nas aldeias transmontanas nestes dias de Entrudo (da palavra latina «Introitus», que significa entrada, acesso à Quaresma) as fartas refeições continuam a caracterizar-se por enchidos e pratos de feijoada à transmontana, acompanhados de encorpado vinho caseiro, dando expressão à ideia de terça-feira gorda.
Moda do Entrudo
6 comentários:
O Carnaval na Suíça, no meu entender, é em Agosto, no dia da Streetparade.
Mas o Entrudo... isso sim, é festa rija durante meses por toda a Suíça. No dia 11 do 11, às 11h11, na minha cidade, são abertas as festividades. Elas vão saltando de cidade em cidade (a semana passada, por exemplo, o jornal noticiava o fecho do Carnaval de Luzern, com muitos milhares de foliões). Esses festejos vão acabar na próxima semana, segunda, aqui na cidade. Ainda não me pude dedicar ao estudo do fenómeno, porque eu cá acho que merece a pena, é mesmo muito interessante.
Mas o que me cativa mesmo é a semelhança aos caretos: o período de festejo, as roupas, as máscaras, a ancestralidade... Tanto quilómetro que separa os dois países... e são tão parecidos.
Desculpe lá, mas sempre que vejo as máscaras dos caretos de Podence, dá-me vontade de falar disto...
Olá Luísa,
O comentário merece algumas considerações talvez um pouco desarticuladas por sofrerem a influência dos afectos, o que retira alguma arrumação lógica à questão:
- a primeira é que fiquei interessada com o que refere quanto às fesitividades aí na Suiça, já que despertou curiosidade, ficarei atenta para ver se, quando a Luísa tiver tempo, se debruça um pouco sobre tal tradição e escreve sobre isso lá no seu cantinho (ou será 'cantão')?:D
- outro - e aqui é mesmo o fascinio pessoal por aquilo que resiste à globalização ou mundialização - o interesse por estas tradições tão nossas que prevalecem, e quem diz o entrudo transmontano também poderia dizer (e aqui mais um gosto muito pessoal) a literatura tradição oral que, em Vinhais e arredores, ainda pode ser registada, com especial referência para os textos do nosso belíssimo romanceiro... Ainda bem que há quem vá fazendo registos destas coisas (já Garrett o fez há tantos anos;
- e o mirandês, que foi 'esmiuçado' por estudiosos de linguística lá da minha antiga casinha de letras (ainda a não frequentava) que, nos anos 60, invadiram a região de gravador e a olhar os falantes como 'raridades', parece que esta língua revela traços comuns ao antigo leonês e, atitudes de 'devassa' à parte, são algumas das coisas que cativam, porque mantém traços ancestrais ainda não engolidos pela voragem da normalização.
Só me preocupo a sério quando um dia formos todos clones, independentemente do ponto do globo onde nos encontrarmos.
E já há muito que não fazia um comentário com 'metros', mas quando os temas nos entusiasmam, isso é fácil de acontecer:)
Bom Entrudo suiço.
há uma ideia de inversão, de mundo ao contrário, de quebra de regras ligada ao entrudo, que se está a perder com a institucionalização (que palavra, meu Deus!) do carnaval... não sei se me faço entender...
o carnaval está muito regrado...
também fiquei muito curiosa sobre o carnaval suiço...!
Bem observada, a temática do «mundo às avessas» que sendo no entrudo uma simples inversão de regras, acaba por ser utilizada por grandes nomes da nossa literatura: Gil Vicente confere a um louco (mas lúcido) de linguagem desbragada um dos poucos a escapar à condenação, enquanto que alguns representantes da justiça e do clero não escapam, actual esta perspectiva...
Já Camões parece não se «ter dado bem» quando quis inverter os valores, referindo «fui mau e fui condenado», concluindo que só para ele «andava o mundo concertado»... mas já estou uma vez mais a divagar, saltando para um outro tema magnetizante...
Bom feriado, almariada:)
oh teresa, muito pertinentes os exemplos! gostei! muito obrigada! prosseguindo a divagação diria que gil vicente revela a justiça, que não é deste mundo, e camões a censura, totalmente deste mundo: "a pátria que está metida no gosto da cobiça e na rudeza duma austera, apagada e vil tristeza" que regula até o carnaval...
Apreciei a acutilância das observações, almariada:)
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