4 de outubro de 2009

A não perder...

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Comédia de costumes, a qualidade da representação prende o público desde o primeiro momento. O ritmo e naturalidade da sucessão dos diálogos , com eloquência e sem momentos mortos leva a que não se queira perder uma única palavra.
Dois casais tentam conversar civilizadamente após uma ocorrência preocupante. A pequena reunião decorre em casa dos pais da vítima. O jovem Bruno, de 11 anos, foi espancado pelo seu colega Fernando, tendo perdido dois dentes.
Os pais do jovem agressor tentam aceitar a responsabilidade do seu filho embora, ao longo da peça, o esforço de obediência às regras de civilidade acabe por se revelar inútil.
O incidente entre dois jovens é pretexto para uma caricatura muito actual observada com argúcia e na qual todos nós –mais ou menos - acabamos por nos rever.
Ao longo dos diálogos bebe-se café, prova-se o excelente clafouti inventado por Verónica (com base na receita da sogra que vai preenchendo a acção com inúmeros telefonemas) e acaba-se no rum, como uma evasão.
As ofensas sucedem-se num humor brilhante (e não superficial) atingindo todos os intervenientes: Verónica e Miguel, os donos da casa, sendo a primeira crítica de arte e escritora de livros sobre a guerrilha em África e o seu marido pequeno empresário de louças sanitárias; Alain e Ana, ele advogado de sucesso e ela gestora bancária.
Alain para Verónica:« vocês, as mulheres que se armam em guardiãs do mundo e defensoras de causas são umas chatas para os homens»; Ana para Miguel «você diz que é uma espécie de John Wayne, mas atira o hamster da sua filha mais nova para o abandono da cidade porque tem fobia a roedores».
No meio de discussões, náuseas, diálogos corrosivos, a peça enquadra-se na ideia-chave da sua autora, Yasmina Reza, nascida em 1959 em Paris:
Não acho que o ser humano seja pacífico. Penso que não se evoluiu desde a Idade da Pedra e que o verniz social que nos protege da selvajaria é inquietantemente ténue, está sempre prestes a estalar. Ponha quatro pessoas dentro de um elevador que se avaria de repente e elas ficam doidas. Basta haver pânico e toda a gente se espezinha. Observe crianças a brincar na areia: não têm alternativa, batem umas nas outras para ficarem com um objecto na mão. Eu escrevo um teatro de nervos, porque são os nervos que nos comandam. As personagens que componho desde sempre são pessoas bem-educadas que pretendem manter a compostura. Mas como também são muito impulsivas, não conseguem manter as regras que impuseram a si próprias. Vão derrapar, mas sempre contra a sua vontade, mesmo quando estão em plena derrapagem. É precisamente esta luta da pessoa contra si própria que me interessa.

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