A esta hora é sempre um mundo de gente com muita idade. Contam-me as doenças, as mazelas e eu digo-lhes sempre que estão óptimos ou o que interessa é estar vivo afinal. E muito vivaça estava esta senhora: tenta ultrapassar-me na corrida para a caixa vazia e eu educadamente dou-lhe a vez. A empregada faz-me uma careta e pisca o olho. Eu penso: alucinações Maria Teresa. Como estou a tentar perceber se não me esqueci nada dos gostos dos frequentadores da casa, não ouço bem a conversa mas percebo que a senhora quer ficar a dever um cêntimo à casa, no que é rechaçada pela caixeira. Quando a velhinha abandona a liça descoroçoada, a empregada descarrega: esta senhora é perita em poupar cêntimos mas que nesse conto eu já não caio, eu sou aquário mas tenho o meu feitio. Engraçada, com aqueles ares langorosos que dão os lábios e nariz grosso e olhar desconfiado, acaba por contar uma série de coisas (as compras eram muitas) e pisca o olho para um senhor que está na bicha da outra caixa. Diz ela prazenteira: Hoje posso piscar-lhe o olho, não vem com a sua mulher. Responde ele com um sorriso de orelha a orelha: Pisque à vontade que ela nunca mais virá cá, pelo menos comigo. Gera-se suspense e a caixeira até cora. Mas sorri de olhos baixos. Penso eu: surgiu aqui um romance? Estarei atenta ao assunto. Embora seja pouco atreita a questões sentimentais, gosto de perceber estes desenvolvimentos de bairro.
Fotografia da Magnum:
Patrick Zachmann
Ile-de-France. Hauts-de-Seine. Neuilly-sur-Seine. Supermarket "Monoprix".
2 comentários:
Gosto destes teus posts que traduzem apontamentos do quotidiano... e que apontamentos!:)
Curiosamente, para mim os posts mais interessantes são, por vezes, os menos comentados e que revelam um bocadinho acerca de quem os escreve, ou seja, da nossa condição de seres humanos e não de "ilhas":)
Tens facilidade em captar estes instantâneos da cidade e viu-se que hoje o dia "não te voava".
Gosto de observar as pessoas e não sei porquê elas falam sempre comigo.
Hoje o dia correu bem sim:)
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