26 de março de 2009

GOOD MORNING, MR. CHANDLER

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A de Março de 1969 morria Raymond Chandler. Tinha 81 anos.
Truman Capote disse dele: “um dos maiores escritores americanos”.
Raymanond Chandler é o pai do Detective Philipp Marlowe.
Quando aos 50 anos fundeou em Hollywood gostava de histórias picantes, mulheres, e de gin. Raymond Chandler: um cachimbo, calças de flanela cinzenta, um casaco de tweed. Gostava de gatos.
Em “O Bode Expiatório” alguém diz a Philip Marlowe que ele tinha uma coisa que não lhe agradava. “Adivinhe o que é?”. Marlowe respondeu: “Lamento mas não faço ideia… sei apenas que algumas pessoas me detestam por ainda estar vivo”.
Numa carta a Helga Green, sua confidente, agente literária e após a sua morte, herdeira, Chandler escrevia: “Meu Deus, como os homens sabem pouco acerca das mulheres.”
Os especialistas de literatura policial dizem que o melhor Chandler é “A Dama do Lago”. Não tem qualquer problema em assinar por baixo, mas para ele o melhor é, sem qualquer ponta de dúvida, O Imenso Adeus."

Estava o livro há muito esgotado, e ainda sem reedição, quando em 2 de Abril de 1979, o “Diário de Lisboa” começou a publicar “O Imenso Adeus”, diariamente, em folhetim. Escolheu Eduardo Guerra Carneiro para as apresentações:
“O “Imenso Adeus” é um livro para ser amado por quem já alguma vez teve uma despedida quem já conheceu alguém que vivesse do lado dos bêbados, quem se lembra do tamanho das cidades e sosinhez e nele de um compincha. Quem gosta das palavras contidas. Quem alguma vez começou a gostar de ler. Quem distingue meia dúzia de livros entre os que conserva na memória (a ponto de ser das últimas coisas de que quisera ser despojado). Quem já se deixou tombar de amores por essa selva de lei. Quem experimentou bolas de chumbo, ficticias no estômago. Quem não gosta da cara nem das tripas do Empire State Building e pensa que ninguém como um americano para as mostrar. Quem prefere que os policiais não sejam policias justos a ajustarem contas com cadastrados perigosos. Quem lê um policial mas não quarenta. Quem se está nas tintas para a moda apesar de saber que há quem coleccione uma dúzia de exemplares da mesma coisa porque vai valer. Quem gosta de ver os gestos de um homem que faz café, lava a chávena, faz a barba, muda de camisa. Quem não está por esquecer o ponto em que perdeu de vista um amigo. Quem lhe acontece simpatizar com um tipo embora perceba que isso não vai evitar nada.
Quem fez um amigo. Quem disse uma vez que fosse adeus. Quem disse antes até à vista. Quem não vê só o crime remível a cadeia na palavra cumplicidade.
Quem fez um amigo. Quem fez um adeus. Quem tem os adeus dentro do presente. Quem conhece o esquecimento quem aprendeu e desaprendeu a memória. Quem se lembra do esquecimento dos dias. Quem já cozeu alguma morte. Quem fez contas com o vazio, com o passado, com o esquecido. Quem ouve o uivo do adeus. Quem houve e houve e houve. Quem continua assim vivo”


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“O Imenso Adeus” é o número 101 da Colecção Vampiro e tem uma soberba tradução de Mário-Henrique Leiria, a capa é de Cândido Costa Pinto. As capas dos restantes livros aqui reproduzidas são de Lima de Freitas. É a história de uma amizade que, como quase todas as amizades, não se explica. Este é o final do livro:
"- Eu estive nos comandos. Eles não aceitam tipos feitos de algodão em rama. Fui ferido e o trabalhinho que os médicos nazis me fizeram não teve muita graça. Sinto-lhe as consequências.
- Eu sei Terry. Vocé, sob muitos aspectos, é um tipo muito simpático. Eu não estou a julgá-lo. Nunca o julguei. Simplesmente você já não existe. Já deixou de existir há muito. Está bem vestido, todo perfumado e tão elegante como uma prostituta de cinquenta dólares.
- Isto faz parte do disfarce - respondeu-me quase desesperadamente.
- Mas você diverte-se, não diverte?
A boca torceu-se-lhe num sorriso amargo. Depois encolheu os ombros expressivamente, à latina.
- Claro que me divirto. Tudo quanto hoje existe é teatro. Não há mais nada. Aqui - e bateu no peito com o isqueiro - não há nada. Eu estou pronto, Marlowe. E já o estava há muito. Bom, parece-me que não há mais nada a dizer.
Ele levantou-se. Eu leventei-me. Ele estendeu a mão esguia. Eu apertei-a.
- Até à vista, Sr. Maioranos. Gostei muito de o conhecer, apesar de o nosso contacto ter sido tão breve.
- Adeus.
Ele voltou-se, atravessou o escritório e saiu. Fiquei a ver a porta fechar-se. Ouvi-lhe os passos afastarem-se no corredor que pretendia ser de mármore. Tornaram-se cada vez mais fracos até que deixei de os ouvir. Mas continuei à escuta. Porquê? Seria que eu esperava que ele parasse de repente e voltasse para trás e falasse comigo até que eu deixasse de me sentir como me sentia? Mas ele não voltou. Foi a última vez que o vi. E nunca mais vi nenhum dos outros - excepto os polícias. A esses, ainda não se inventou um processo de lhes dizer adeus."




Ainda Eduardo Guerra Carneiro no “Diário de Lisboa”:

“Marlowe entra no “British-Bar”, despe a trincheira, sacode-a da chuva de Março que, em morrinha, como em Vigo ou no Porto, ainda pinga, atira o chapéu para o bengaleiro e pede um “gimlet” duplo.
Humphrey Bogart está ao balcão e sorri-lhe, de esguelha, com o paivante aceso ao canto da boca. A “magrinha” ainda não tinha chegado. Eu bebia gin tónico, numa mesa do canto com o Chandler. O Mário-Henrique Leiria não pôde vir: mandou recado a dizer para bebermos dois ou três copos por ele. Lauren Bacall chegou agora, senta-se à nossa mesa e pede-me um cigarro na sua voz rouca, inconfundível. Reparo que Bogey está com ciúmes. Como não quer a coisa, de uma velha telefonia vem uma música de piano: “Casablanca”. Afinal Bogart deve estar ainda à espera da Ingrid Bergman. Chandler, que nada tem a ver com isto, começa a falar da Cabeleira de Prata.”


3 comentários:

teresa disse...

... e porque, muitas das vezes, estas memórias valem por tudo quanto têm para cada um de pessoal, penso que a minha mãe terá uma boa parte da colecção caso a tenha estimado (era leitora entusiasta).
Uma das tradutoras destes livros foi a primeira moradora da casa para onde nos mudámos em 67 e que ainda hoje é CP (casa paterna):)

gin-tonic disse...

A propósito de coisas em casa dos pais, ou deixadas em casa dos pais...
Quando deixou a casa dos pais
ficaram por lá umas caixas de sapatos com bilhetes de cinema, futebol, capicuas dos bolhetes da CARRIS, folhas e folhetos da Oposição Democrática, restos de poesia, restos de vidasabe lá mais o quê. Um dia necessitou de qualquer coisa de lá. A mãe abrira as caixas e entendeu que a papelada era lixo e para o lixo foi.
Que havia para dizer?
. Podia ter telefonado a perguntar, disse ele à mãe, que no principio de Março fez 90 anos.
A mãe respondeu-lhe:
- Telefonar para quê? Quando telefono estás sempre a despoachar-me, nunca tens tempo para me ouvires!...
Histórias da vida.
A talhe de comentário: "A Dama do Lago" foi traduzida por Ruth Belger, "O Bode Expiatório" e "Perdeu-se uma Mulher" por Mascarenhas Barreto, "O Imenso Adeus", já disse, mas nunca é demais repetir: Mário-Henrique Leiria, uma brilhante traduçaõ.

teresa disse...

A "nossa" tradutora tinha um nome menos público (mas penso que traduzia bem), salvo erro chamava-se Fernanda Rodrigues.