“Terei de dizer uma vez mais, hei-de dizê-lo sempre, que nenhum partido de Esquerda percebeu (ou terá querido perceber), para além dos discursos, dos comícios, das entrevistas à Imprensa, não me interessa isso agora, que uma nação secularmente mergulhada na mais completa ignorância das suas próprias carências (que não são só pão e casa, e mesmo para ter o pão, para ter casa) exigia, antes de tudo, sabem o quê? Ensino, no sentido mais vasto e profundo da palavra. Tão vasto e tão profundo que a tarefa imensa de pôr milhões a saber ler e escrever (mas que é ler?, mas que é escrever?) mais não seria que um ponto de partida. Em todas as idades. Em todos os recantos desta terra de milagres, crenças e crendices, de faz como vires fazer. Ensino para que se aprenda a ver com os próprios olhos, a intervir com as próprias mãos, a entender também que nunca é por acaso que se volta a falar, com redobrada insistência, nas suas glórias passadas – no largo Oceano ou nos palcos de revista -, como manda a receita dos bons tempos. Que os funâmbulos estão aí. À espera. Às ordens. Não é outra a sua profissão.”
Mário Dionísio in “Autobiografia”
Mário Dionísio in “Autobiografia”
4 comentários:
E não é que, por vezes, me ajudam sem darem conta, dando algum rumo à minha desordem? Vou apontar a referência autobiográfica e aqui vai uma achega que me parece articular-se de modo lógico com a mesma:
"(…) quando outros países do Sul da Europa, como a Espanha, a Itália ou mesmo a Grécia fizeram importantes avanços na alfabetização das suas populações no começo do século XX, a distância de Portugal a outros países europeus tornou-se ainda maior(…) a taxa de inscrições no ensino primário era de 22,1% e, trinta anos mais tarde, era ainda apenas 37,7%.
(…)
O carácter híbrido na definição de políticas educativas remete para o entendimento de que a importação de modelos do exterior, mesmo que legitimados por agências internacionais ou pela União Europeia, é mitigada no confronto com o contacto nacional, histórico e político, ou seja, a especificidade económica, política e social portuguesa não se anula com meras transposições do exterior (…)"
António Teodoro e Graça Aníbal, A Educação em Tempos de Globalização[…]
por agências internacionais entenda-se: UNESCO; OCDE, e, “last but not least” o Banco Mundial que, cada vez mais, tem interferência nas políticas educativas globais, pois o conceito de Estados-Nação já começa a perder o sentido com o desaparecimento de fronteiras.
Obrigada e, agora, "de volta ao trabalho"!:)
não vejo o estranho que possa parecer esta notícia.
os imigrantes de segunda geração, ou os que já estão bem integrados nas sociedades onde vivem e que falam a lingua de acolhimento com os colegas e com os filhos em casa, têm naturalmente, como ponto de ligação a portugal aquilo que é um traço comum das culturas portuguesa e dos países de acolhimento: o futebol.
um imigrante português em inglaterra, que tenha filhos lá nascidos e com os quais fale en inglês, naturalmente a sua maior ligação a portugal será o ronaldo, o exército português do chelsea ou os resultados da selecção porque disso pode falar no pub, no trabalho, em casa... e não sobre o jorge de sena ou o mário dionísio.
uma vez em mombassa, ao saberem-me português, ninguém se lembrou do vasco da gama que por ali andou. mas ouvi o nome do figo gritado enquanto eu descia a rua.
o futebol é um denominador comum. é isso que o torna transversal e unificador.
por isso os imigrantes ganham o dia quando as equipas portuguesas derrotam do país de acolhimento e lhes é indiferente o último estudo sociológico sobre os efeitos do acordo ortográfico.
eles não têm como lingua de trabalho e de socialização o português.
Carlos: a notícia não tem nada de estranho e o que se passa realmente é o que tu, muito bem, acabas por escrever. Já o António Lobo Antunes contava que quando estava em Angola, na guerra, os ataques paravam aos domingos para, de um lado e de outro, se ouvirem os relatos do Benfica. Nos anos 60/70 "A Bola" esgotava em Paris. O futebol sempre teve essa particularidade, uma força quase única.
Falando francamente o título do jornal aparece porque foi referido, talvez a despropósito, num post hoje colocado pela Teresa. Como depois a Teresa disse que tinha sido aluna do Mário Dionísio - que privilégio!... - lembrou-se de ir buscar um texto da Autobiografia do Mário Dionísio. Porque o admirava como contista e poeta, pintor,como combatente de sempre pela Democracia e que, lamentavelmente, está completamente esquecido.
É um fosso enorme fosso de olvidos aquele que este país arranjou para enfiar os seus melhores.
de facto, longe vai o tempo em que os grandes autores davam aulas nos liceus portugueses.
a história poderá parecer longa para discutir.
por um lado era-lhes impossível viver da escrita (creio que ao tempo apenas o aquilino e o ferreira de castro viviam da escrita), por outro o ensino era suficientemente elitista e exclusivista (a percentagem de portugueses que chegavam ao ensino secundário era mínimo) para permitir aos escritores terem uma vida escolástica suficientemente calma para a criação. o mesmo se passava com os jornalistas.
a pouca concorrência e a apertada vigilância da censura fascista eram uma espécie de motor de arranque para a criatividade literária.
Enviar um comentário