
Lembram-se, por este tempo, quando abriam a caixa do correio e desabava um mar de cartas com postais de Boas Festas? As palavras, os desejos eram sempre os mesmos, mas sentíamo-nos confortáveis.
Agora apenas as cartas costumeiras das facturas, disto daquilo daqueloutro, que há para pagar, a publicidade de viagens de fim de semana, de telemóveis, um cartãozinho do Professor Fofana, especialista em amor, astrólogo, médium africano, 45 anos de experiência..
Já não há cartões de Boas Festas. Onde é que ficou esse tempo? Quando perdemos esse gosto?
Sentir uma amarga nostalgia por esse tempo, um certo pânico por este silêncio, por este deserto de afectos.
Gostar de cartas, gostar de cartões de Boas Festas, gostar de selos, coleccionar selos, gostar de esperar, ansioso, pela chegada do correio, cartas, por vezes ilegíveis – por sua dama tornou-se paleógrafo - abrir a carta com uma faquinha apropriada, ou abrir a carta, desesperadamente, rasgando o envelope, quando se esperam palavras como sem ti a minha vida não era feliz.
Os correios comovem-no. Quem leu Júlio Dinis sabe do que ele está a falar.
O correio electrónico, o telemóvel, tomaram-nos de assalto, determinaram que é obsoleto comprar um cartão de Boas Festas, escrever palavras com uma caneta, o caminhar para a estação de correios, para o marco do correio.
“Mãe Tá-se? Tou aí no natal levo a Bé. Depois dou um tok para confirmar”
O José Gomes Ferreira ensinou-lhe que “saudades, só do futuro”, mas, caramba! tem saudades do tempo em que não havia telemóveis, mails, tem saudades do tempo em que as cartas, os cartões de Boas Festas que se enviavam, quando os amigos estavam aquém dos olhos, estavam perto, estavam longe e nos dizíamos uns aos outros que é sempre pouco o esforço que se faz para gostar. Coisas simples, sinceras, saber que ser amigo é poder a gente entregar-se sem nos passar pela cabeça que o próximo se vai rir de nós.
Não tens traço nenhum particular, meu amigo.
Presença ou puro espírito, uma força através de mim.
Foi o que lhe saiu este Natal para enviar aos amigos. Escolherá os cartões, colocará os selos nos envelopes, e irá depositá-los nesse marco do correio, que está a meio da Rua Senhora do Monte, mesmo à porta da casa onde, nas águas furtadas, moravam os avós paternos. Um tempo em que foi muito feliz. Mas só agora é que o sabe.
2 comentários:
"estação de correios"...pois aproveite para visitar algumas, enquanto elas existem. Na Suécia desapareceram todas em poucos anos.
Agora compra-se selos na mercearia, vai-se buscar a encomenda ao supermercado....enfim.
JA
"Um tempo em que foi muito feliz. Mas só agora é que o sabe."
Penso que partilhamos todos deste sentimento.
Fernando Pessoa referindo-se a uma ceifeira fala em: "Quem me dera [...] ter a tua alegre inconsciência, mas ter a consciência disso"(cito de cor).
Creio que a maioria de nós, na infância, teve a alegre inconsciência desta ceifeira.
Oscar Wilde, em Dezembro de 1894, escreveu que nada envelhece tanto quanto a felicidade: "Nothing ages like happiness".
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