Para quem viveu a adolescência nos idos anos 70, época de gigantescas pinturas murais em tantos espaços da cidade, não deixa de despertar curiosidade o fenómeno trazido pela multiculturalidade do século XXI – falo dos graffities que preenchem as zonas suburbanas e tantos espaços de Lisboa.
Não desejando aqui deixar opinião sobre esta marca da cultura dos nossos dias – há-os artísticos e garatujados – gostaria de expressar alguma apreensão pelos estragos que esta prática tem vindo a causar.
Há tempos, assisti a uma reportagem televisiva em que se publicitava a necessidade de criação de empresas para limparem alguns símbolos a spray deixados em alguns marcos históricos , neste caso era mostrada uma zona nobre do Jardim da Estrela. Ao longo da reportagem, era mesmo explicado como os serviços especializados retiravam os “hieróglifos”, neste caso sem graça, sem que a nobreza da pedra deixasse de ficar em ferida.
Parece que já há formas de o fazer com eficácia, o que não elimina o risco de novas investidas, há mesmo quem designe o fenómeno como uma “invasão”.
Correndo o risco de parecer tendenciosa, parece-me que havia mais cuidado nos locais escolhidos para as gigantescas e diria mesmo épicas pinturas murais que ao longo da década de 70 foram trazendo colorido a algumas paredes cinzentas e degradadas, enchendo a cidade de alegrias cromáticas.
Quanto aos registos escritos deixados para leitura dos transeuntes, os que mais nos entusiasmavam – falo do meu grupo de escola – levando-nos mesmo a tirar apontamentos com maior entusiasmo do que em algumas aulas, eram os que no final apresentavam um A inscrito numa circunferência. De tal modo esta onda humorística e criativa nos entusiasmou que ainda alguns persistem na memória.
E como o “Dias que Voam” tanto destaque dá às memórias, quer através de alguns textos publicitários, quer pela divulgação de fotografias que nos fazem sorrir constituindo-se enquanto contraponto a esta época pós-moderna (ou pós-modernaça), deixo o registo de algumas frases de então, ficando a pensar se alguns ainda as recordarão:
“Nem mais um faroleiro para as Berlengas”.
“Nacionalização das bolas de Berlim”.
“A terra a quem a trabalha e os ovos a quem os põe”.
“Portugal: ama-o ou deixa-o. O último a sair que apague as luzes do aeroporto”.
Em tempos de campanha eleitoral, a minha preferência vai para slogans que, não deixando de ser acutilantes, veiculam um sentido de humor a não perder mesmo em tempos de défice, flexisegurança e sabe-se mais o quê.
Penso que não deveríamos aceitar de bom grado o rótulo de pessimistas a ocupar lugar de destaque em estatísticas divulgadas não há tanto tempo assim.
6 comentários:
É o que a Teresa diz. Em locais para o efeito ficariam bem. Agora como Lisboa está a ficar não.
Gosto muito dos slogans do Maio de 1968.
Dessous les pavés, c'est la plage !
do final dos anos 60 até meados dos idos de 70 houve poucos locais que não pintei.
havia quem chamasse a essa actividade, pichagem. claramente uma influência do termo brasileiro, de pintar com piche, que é uma coisa que nós chamamos brocha (com a no fim), embora o piche fosse originalmente um sucedâneo do petróleo e não o objecto com que se pinta).
eu sempre chamei pintar
fosse com nitrato de prata (uma ideia genial para só dava para ver quando a luz nascia e impedia que a policia seguisse quem andava a pintar (impedir é uma forma de falar...), fosse com lata e pincel, ou já o moderno spray.
seguramente os tipos que me prenderam à espera que chegasse a policia um dia ali para os lados da parede porque não gostou que eu tivesse escrito umas coisas pela liberdade e contra a guerra colonial também achavam que a minha estética era uma coisa muito discutível...
t,
A propósito dos soissant-huitards gosto do mais gasto - mas nem por isso mais bonito (para mim): L'imagination au pouvoir!
carlos,
também me recordo do termo pichagem.
Quanto ao seu incidente com as pinturas, há mesmo quem não tenha sentido "estético". Numa época em que se atingia a maioridade aos 21 anos (antes de 74), fiquei indignada quando soube que uma colega de 17 anos tinha sido detida para "interrogatório":(
Muito sinceramente já não suporto graffitties, talvez porque em cada 500 mil, aproveita-se um.
Tornaram-se numa praga que não respeita monumentos ou espaços públicos e privados.
É muito raro, raríssimo, ver hoje slogans com o humor dos citados no texto.
Se tivessem a criatividade desses talvez se tornassem suportáveis.
anónimo,
para além de não terem humor, invadem espaços que deveríamos preservar se queremos manter uma identidade cultural. É que as frases e os murais revelavam, por parte de quem os pintava, respeito pelo património.Já no que diz respeito à colagem de cartazes em espaços como a bonita estação do Rossio e outros locais nobres o mesmo não sucedia, embora aqui os estragos não sejam da mesma dimensão do que os das actuais "pinturas" a "spray".
Há que destinguir entre "graffities" de "graffities": Existem autênticas obras de arte que são formas de afirmação que embelezam alguns espaços vazios e monótonos, como muros, tapumes, e até, por vezes, o chão de algumas ruas pedonais; dos autênticos "abortos", apenas fruto de mentes psico-atormentadas que conspurcam paredes monumentos, fachadas de habitações e tudo quanto é espaço plano (ou não) onde consigam colocar o "sinal", como qualquer animal a demarcar o seu território (cão, gato, tigre...). Seria melhor que não gastassem tempo e dinheiro a sujar aquilo que nem sequer foram capazes de ajudar a fazer... Deus lhes perdoe a estupidez!
A nossa sociedade de extremos, quando estiver saturada destes últimos, incapaz de fazer a distinção entre uns e outros, deverá punir todos eles por igual forma, pelo menos é assim que se costuma fazer, infelizmente!
Zé da Burra o Alentejano
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