“Ici, Monsieur Serpa, on donne la main, on donne le bonjour et on donne l’heure, quand on nous la demande. Tout le reste est payant». Foi assim que começou a minha primeira reunião em Marselha (com o Clube. Não vou maçar os simpáticos e generosos leitores com muitos pormenores, mas “o Clube” é uma peça importante na organização de regatas; mais do que importante, infelizmente).
Hoje, o senhor que me disse aquilo (um dos directores) e a secretária do Clube estavam à minha espera quando lá cheguei, ofereceram-me um copo (pastis, claro, “on est à Marseille”), levaram-me ao hotel depois de estarem as coisas arrumadas e bebido o pastis e ofereceram-se para me levar às compras amanhã. Marselha é uma cidade que diz uma coisa e faz outra – e, frequentemente, o que faz é melhor do que o que diz.
Já cá estive muitas vezes, mas as duas primeiras não contam: numa delas, fiquei meia-dúzia de dias à espera de sol para poder pintar as obras vivas de um barco e não parava de chover. O objectivo era levá-lo para a Córsega. Apanhei uma bebedeira monumental, devido a um estranho e simpático hábito local; pintei o barco (a chuva passou mais ou menos por essa altura) e levei-o para a Córsega; de Marselha pouco ficou, para além da bem aventurada, mas por vezes penosa, tradição de oferecer pastis às rodadas.
Na vez seguinte vim cá com o Tour de France à la Voile. Aí, já chegávamos bêbados – de mar, vela, sol, regata – e quando púnhamos um pé em terra havia vinho, cerveja, whisky, rum, gin, vodka em quantidades indeterminadas à nossa espera; pouco me ficou, para além da memória de uma greve do lixo. O TFV é (ou pelo menos era) um circo autónomo que pouco se mistura com as cidades por onde passa.
Voltei a Marselha muitos anos, muitas vidas e muitos quilos(*) depois; havia, claro, uma greve do lixo. Marselha é uma cidade que foi fundada há 2,600 anos, e determinadas coisas não mudam. A minha relação com as greves de lixo em Marselha é um bocadinho ambivalente: a cidade vive dos, nos e pelos cheiros, que nos assaltam alternada ou conjuntamente assim que descemos as belíssimas escadarias da estação. Uma greve do lixo só aumenta essa cacofonia olfactiva; do ponto de vista da sujidade, pouco muda. Em Marselha, aquilo que se vê vem depois, muito depois, daquilo que se cheira – por exemplo, para chegar aos quarteirões bonitos atravessam-se primeiro os outros (uma vez, um senhor que conhece bem a cidade explicou-me que em Marselha as explosões sociais não existem pela simples razão que os quartiers estão no centro, contrariamente a Paris, onde estão nas periferias).
Hoje já vi mulheres altas, baixas, grandes, pequenas, gordas, magras, de grandes peitos ou com eles mais lisos do que o olhar de um bêbado no fim da noite; já as vi brancas, pretas nilóticas, pretas bantus, mestiças, árabes, berberes, loiras, morenas e acastanhadas; novas, velhas ou entre as duas – mas ainda não vi uma única mulher feia, uma só que seja. O Mediterrâneo todo encontra-se em Marselha há quase três mil anos, e aqui desde então refina o que a humanidade tem de melhor. (Algumas são feias, claro – mas não são marselhesas).
É daqui que a Regata Festival dos Oceanos vai sair, dentro de uma semana, e eu vou viver: em Marselha não se está, vive-se.
(*) - Vi recentemente uma expressão semelhante noutro blog, que infelizmente não consegui ainda encontrar. Como há muito tempo que a uso não me parece imperioso linká-la. De qualquer forma, ainda estou à procura do dito post - ajuda bem-vinda.
Hoje, o senhor que me disse aquilo (um dos directores) e a secretária do Clube estavam à minha espera quando lá cheguei, ofereceram-me um copo (pastis, claro, “on est à Marseille”), levaram-me ao hotel depois de estarem as coisas arrumadas e bebido o pastis e ofereceram-se para me levar às compras amanhã. Marselha é uma cidade que diz uma coisa e faz outra – e, frequentemente, o que faz é melhor do que o que diz.
Já cá estive muitas vezes, mas as duas primeiras não contam: numa delas, fiquei meia-dúzia de dias à espera de sol para poder pintar as obras vivas de um barco e não parava de chover. O objectivo era levá-lo para a Córsega. Apanhei uma bebedeira monumental, devido a um estranho e simpático hábito local; pintei o barco (a chuva passou mais ou menos por essa altura) e levei-o para a Córsega; de Marselha pouco ficou, para além da bem aventurada, mas por vezes penosa, tradição de oferecer pastis às rodadas.
Na vez seguinte vim cá com o Tour de France à la Voile. Aí, já chegávamos bêbados – de mar, vela, sol, regata – e quando púnhamos um pé em terra havia vinho, cerveja, whisky, rum, gin, vodka em quantidades indeterminadas à nossa espera; pouco me ficou, para além da memória de uma greve do lixo. O TFV é (ou pelo menos era) um circo autónomo que pouco se mistura com as cidades por onde passa.
Voltei a Marselha muitos anos, muitas vidas e muitos quilos(*) depois; havia, claro, uma greve do lixo. Marselha é uma cidade que foi fundada há 2,600 anos, e determinadas coisas não mudam. A minha relação com as greves de lixo em Marselha é um bocadinho ambivalente: a cidade vive dos, nos e pelos cheiros, que nos assaltam alternada ou conjuntamente assim que descemos as belíssimas escadarias da estação. Uma greve do lixo só aumenta essa cacofonia olfactiva; do ponto de vista da sujidade, pouco muda. Em Marselha, aquilo que se vê vem depois, muito depois, daquilo que se cheira – por exemplo, para chegar aos quarteirões bonitos atravessam-se primeiro os outros (uma vez, um senhor que conhece bem a cidade explicou-me que em Marselha as explosões sociais não existem pela simples razão que os quartiers estão no centro, contrariamente a Paris, onde estão nas periferias).
Hoje já vi mulheres altas, baixas, grandes, pequenas, gordas, magras, de grandes peitos ou com eles mais lisos do que o olhar de um bêbado no fim da noite; já as vi brancas, pretas nilóticas, pretas bantus, mestiças, árabes, berberes, loiras, morenas e acastanhadas; novas, velhas ou entre as duas – mas ainda não vi uma única mulher feia, uma só que seja. O Mediterrâneo todo encontra-se em Marselha há quase três mil anos, e aqui desde então refina o que a humanidade tem de melhor. (Algumas são feias, claro – mas não são marselhesas).
É daqui que a Regata Festival dos Oceanos vai sair, dentro de uma semana, e eu vou viver: em Marselha não se está, vive-se.
(*) - Vi recentemente uma expressão semelhante noutro blog, que infelizmente não consegui ainda encontrar. Como há muito tempo que a uso não me parece imperioso linká-la. De qualquer forma, ainda estou à procura do dito post - ajuda bem-vinda.
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