17 de agosto de 2005

[Intervalo]

Primeiro dia de férias hoje. Tão de gatas e com tantas pontas soltas a resolver que nem apetece sair de casa. Em boa verdade, se se está bem, com ar condicionado e tudo, por que carga de água sair? Vem à ideia a clássica história:

- Olá! Onde vais?
- Vou para a praia! Viva!

[...]

- Olá! De onde vens?
- Venho daquelas areias dum cabrão!

O processo veraneante e arenoso a que a generalidade da sociedade ocidental se submete periodicamente tem algo de, pelo menos, estranho, para não dizer irracional. Sai-se de um local com todos os confortos não para ver coisas, não para conhecer algo de novo mas para uma rotina que é mais ou menos assim:

Acordar de manhã num sítio quente. Chuveiro frouxo. Ir comprar pão, leite e afins mais caro, numa bicha. Comprar tudo, aliás, mais caro. Depois, caminhar / conduzir debaixo de um sol escaldante até um areal escaldante coberto de gente, rádios, sandes, cães, criancinhas, banheiros, apitos, gritos. Estender a toalha na única nesga de areia visível - a que estava coberta de beatas e pauzinhos de gelado, para além de uma pequena massa escura e suspeita - perante o olhar torvo dos circundantes. Pôr-se em cuecas. Untar-se com uma nhanha peganhenta e profundamente desagradável, da cabeça aos pés, a que a areia se agarra à menor sugestão, como que por magnetismo. Estender-se na toalha e ajeitar os altos que empancam nos lombos. Cuspir a areia que entrou na boca dez segundos depois à conta do puto que passou a derrapar na direcção da água. Levantar completamente torrado e a suar para ir tomar banho. Os pés contactam com o mar e quase matam o veraneante de hidrocussão pelo gélido da água. Num esforço de autodomínio o veraneante vai avançando, soltando gritinhos e respirando ofegante, até se conseguir meter naquela coisa fria, esverdeada e ondulante. Os próximos dez minutos são enpregues numa corrida de obstáculos entre pranchas de bodyboard e outros objectos flutuantes de aparência duvidosa. Regressar à areia, onde a toalha enrodilhada, quente e cheia de areia aguarda o banhista. Secar e pôr mais nhanha no corpo. Deitar. Levar com nova chuva de areia, desta vez misturada com pingos gelados, cortesia do puto que regressa do mar em nova derrapagem controlada. Enfiar a tichârte que, com o calor, a areia, o sal e a nhanha, nos brinda com um contacto análogo ao de lona de tenda militar. Passos arrastados para fora da praia, sob um calor abrasador, vulto curvado entre uma multidão curvada que mais parece de refugiados etíopes. O almoço pode ser de dois tipos: (i) uma refeição manhosa e cara servida hora e meia depois num restaurante miserável ou (ii) uma refeição mal amanhada e desconsoladora servida hora e meia depois em casa porque ninguém se lembrou de fazer compras de manhã e, de qualquer modo, os essenciais ficaram esquecidos numa caixa de cartão na cozinha da casa de origem no dia da partida. E a saga continua de tarde e nos dias que se seguem...

É por isso que fujo da praia - ou destes cenários - sempre que posso.

Anseio pelo dia em que exibir um ganda bronze no final das férias será um sinal de indigência mental. Suspeito, contudo, que não chegará nunca. Somos uns bichos estranhos.

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