Dois Exemplos
Para além da roupa de marca, existem outros exemplos desta competição pela ostentação de riqueza. O exemplo do automóvel: o carro familiar é substituído pela station wagon, que por sua vez “não chega para as nossas necessidades” (as pessoas importantes e que reclamam serem ricas há muito tempo têm necessidades especiais e que a maioria das pessoas – os pobres – não seria capaz de entender) e que, portanto, é substituída por um todo-o-terreno (que nunca chegará a ir para a lama). O todo-o-terreno torna-se pouco distinto, toda a gente já tem um, muda-se então para os dois recentíssimos segmentos de mercado que incluiem os BMW X5, o jipe da Mercedes, o Porsche Cayenne, por um lado, e os audis e volvos com carroçaria de carrinha mas maior distância ao solo e resguardados à frente e dos lados por protecções contra a lama (e contra os riscos quando se tira o carro do estacionamento do centro comercial), por outro. Não me espantará se, em breve, passar a ser da moda ter um Range Rover ou um Land Rover dos novos (carros que custam mais do que uma casa e que têm mais tecnologia do que a Águia Milenar do Han Solo). E isto, obviamente, por necessidade.
Dentro da categoria “roupa”, um dos exemplos mais interessantes é o das calças de ganga. As calças de ganga são como a hiper-inflação na América Latina, os défices em Portugal ou os pénis na Europa: quando pensamos que a dimensão da coisa está estabilizada, eis que novas estimativas surgem com números surpreendentemete maiores. As calças de ganga minimamente aceitáveis são cada vez mais excessivamente caras.
Tudo começou andava eu no ciclo. De repente, como que por geração espontânea, apareceram as calças Uniform. Estas calças tinham um símbolo que, por ser vermelho e ficar exactamente ao meio do bolso de trás da direita, notava-se muito. Um símbolo de uma marca que se nota muito: eis a causa para o sucesso comercial imediato. A ironia dos sistemas capitalistas é que as pessoas, tendo liberdade de escolha, acabam por escolher todas o mesmo (como se vivessem num país comunista em que não têm liberdade de escolha nenhuma e são orientadas pelo Estado e pela pobreza). E foi isso que aconteceu: rapidamente, todos os alunos do ciclo tinham umas calças Uniform, todas elas absolutamente idênticas, como se de um uniforme escolar se tratasse.
Mas como todos tinham o mesmo, já ninguém se sentia especial por tê-las. Logo, o passo seguinte era comprar uma coisa que fosse duplamente especial: especial porque ainda ninguém tinha e especial por ser menos acessível: umas calças Levi’s, mais raras e, fundamental!, mais caras.
Quando toda a gente já tinha calças Levi’s, evoluíu-se naturalmente para Replay, Chevignon, Benetton,... Depois já se evoluía para marcas que, de facto, nunca ninguém tinha ouvido falar e que, por isso mesmo, talvez não merecessem já muito a pena: eram ainda mais caras que as Benetton, mas como só nós conhecíamos o preço – e não os outros também! – e o simples facto de andarmos com elas não permitia aos outros descobrir o preço... acabavam por... não servir. Se os outros não conheciam o preço, que adiantava serem mais caras?? Não serviam.
A solução para este impasse foi o surgimento de novas marcas e (felizmente) a entrada nesse mercado de marcas que tradicionalmente produziam outro tipo de roupa. Hoje em dia já começa a ser vulgar as pessoas andarem com umas calças de ganga compradas no El Corte Inglês, por exemplo umas Calvin Klein que, oh espanto!, estão em promoção: já só custam 35 contos...
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