O contacto com gente estrangeira originou em mim, há vários anos, duas inquietações que permanecem: a de conseguir transmitir eficazmente a ideia de que há escritores portugueses excelentes que merecem fama internacional equivalente à dos grandes escritores que utilizam línguas culturalmente mais centrais; a de imaginar como seriam os meus gostos musicais e literários se os dados do tempo e do espaço me tivessem feito nascer noutro país qualquer.
É esta segunda inquietação que me motivou agora este post. Ultimamente tenho tido vontade de conhecer os grupos musicais de países estrangeiros que seriam provavelmente os meus preferidos se eu tivesse nascido nesses países. Por exemplo, quais seriam os meus Xutos & Pontapés se eu fosse sueco? Haverá GNR na Polónia? Quem é que são os Trovante dos italianos?
Iniciei então uma demanda por grupos "esquisitos" no sentido de "ninguém" ter ouvido falar deles. Não confundir porém estes grupos com a música alternativa: mantenho a minha opinião de que a música alternativa, para mim, não serve: a música ou é imediatista, ou seja, "comercial" daquela que aparece nos tops, ou é intelectualmente elevada: uns gajos intelectuais que não tocam música comercial porque não têm nem talento nem intuição para descobrir formas emocionalmente eficazes mas também não têm talento para fazer música elevada não vão nunca interessar-me...
Não, o que eu quero são os grupos comerciais de sucesso sustentável dos outros países. Aqueles grupos e cantores que, tal como o Rui Veloso, têm sucesso por fazerem na língua local uma boa aproximação aos mestres anglo-saxónicos do rock e do pop: por utilizarem a língua local têm sucesso no seu país, se usassem o inglês não teriam sucesso em lado nenhum porque seriam demasiado identificados com os seus influenciadores, ou seja, estariam muito próximo de serem considerados quasi-plagiadores, ainda que de qualidade e com toques da cultura local muito charmosos (viva o Porto Côvo e haja sempre Porto Sentido).
Foi assim que recentemente descobri os Toten Hosen. Os Toten Hosen são uma banda punk-rock alemã. Muito influenciados pelos Clash e pelos Ramones, têm mais de vinte anos de existência, têm músicas que todas as pessoas alemãs da minha geração conhecem, têm músicas que os menores de vinte anos gostam sem conhecerem as mais antigas e ao mesmo tempo que se aproximam muito dos seus influenciadores, têm toques de música tradicional germânica aqui e ali. Ou melhor, têm toques daquilo que a minha mítica acerca da cultura alemã imagina fazer parte das suas tradições. Mas o mais importante é isto: têm a característica fundamental para entrarem no meu grupo de preferidos de serem muito bons em termos de qualidade e eficácia emocional. São os artistas que só não são melhores do que os seus influenciadores porque é cronologicamente impossível serem pioneiros no lugar destes.
Nos sons dos Toten Hosen há muita rabaldaria, há palmadas nos rabos de alemãs arredondadas a entornar cervejas por sobre as mesas, há também agressividade social e urbana, há um romantismo que se tenta disfarçar (romantismo não é para duros nem para mauzões) e há muita, muita distorção eléctrica. Os Toten Hosen têm vários álbuns, suponho que terão vendido muitos cds e bilhetes para concertos, haverá muitos jovens adultos que em tempos usaram gangas pretas rasgadas e cabelos compridos por causa deles, terá também havido alguma vandalização "sociologicamente" explicável (e desculpável) pela sua influência, há registo de agressões durante os concertos, quartos de hotel vandallizados e exigências hiperbólicas de bebidas alcoólicas. Enfim, são um grupo autenticamente moderno. Sinto-me já gostar muito deles.
Hoje descobri um grupo pop, também alemão. Durante e depois de ouvir o cd uma música marcou-me especialmente. Não percebi nada do que se cantava nessa música nem ouvindo nem lendo. Tive então a oportunidade de imaginar com absoluta liberdade que sentimentos, histórias e convicções estariam guardados na sua letra. A primeira tentativa de traduzir o refrão deixou-me estupefacto: o verso que dá título à música diz logo "caralho" e "russos". A minha estupefacção foi tanta que tive imediatamente de me ligar ao pc a escrever um post (o post que estava escrito na minha cabeça para esta noite era sobre dislexia orientacional e não isto). Estou neste momento fervilhante conjugando a minha imaginação que se expande sobre uma letra indecifrável com a expectativa de daqui a nada começar a comparar essa imaginação com a realidade. A investigação promete...
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