Desde o início do verão a saborear
Crónica, Saudade da Literatura, textos de imprensa do presente século, da
autoria de Manuel António Pina, editados há 5 meses pela Assírio e Alvim.
Saborear será, decerto, o verbo acertado para os pedaços de prosa legados pelo
poeta-cronista , consciente opção no intuito de o sentir mais presente em cada
dia que, com maior ou menor vagar, se sucede. Palavras que surpreendem pela
atualidade lúcida: um sentido de humor único, mesmo na abordagem a temas muito
sérios (humor, sobretudo em tempos mais árduos, equivale a inteligência). Atrai a leveza
da escrita. Do conjunto de textos, destaca-se a ênfase dada aos tempos de
crise, a denúncia da (in)cultura de muitas figuras com responsabilidades
nacionais, as considerações sobre o cinema com maiúscula (arte e não mero
fogo de artifício), as ideias sobre a beleza (ou sua ausência), sobre o sentimento de
felicidade, passando ainda pela
música, pela BD, por poetas próximos ou mais distantes, o apontar do dedo a
preconceitos, a denúncia a ideias feitas, a formatar uma realidade chata. Pina
situa-se nos antípodas do chavão, do lugar-comum. Fica a gratidão por quem nos
torna mais interessante a existência.
A preparar uma recensão sobre este
conjunto de crónicas, ficam algumas linhas soltas quando, por coincidência, se
completa um ano da sua morte.
«Tintin e os outros […] chegaram à
minha vida na infância como o Cavaleiro Andante e, como na canção de Maria
Bethânia, instalaram-se para sempre feitos posseiros dentro do meu coração. Com
eles fui à Lua e viajei por todos os
mares do mundo, subi aos Himalaias e desci aos negros porões da alma humana […]
defendi os fracos e enfrentei opressores e ricaços sem escrúpulos […] convivi
com guerrilheiros, com tiranos, com comerciantes, com sábios, com iluminados…
Se algo de essencial aprendi […] das minhas aventuras com Tintin foi o desprezo
da infâmia e a “linha clara” da coragem e da justiça.» - Manuel António Pina,
JN, 24/5/2007
2 comentários:
Também ando a ler. O que eu gostava das suas crónicas no JN e no DN! A sua poesia, porém, deixa-me um bom bocado aquém... Muito complexa.
Revistar o escritor torna-se sempre um prazer :)
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