O campo é daqueles lugares míticos onde se passa férias. Longe da confusão das praias, o sossego, a boa comida, as sombras frescas.
Às vezes.
Tome-se como exemplo uma das mais celebradas actividades de férias: os grelhados no carvão. Começa com uma ida de manhã cedo à praça ou ao supermercado comprar peixe. Excelente peixe de aviário, a um preço pelo menos duas vezes superior ao do sítio do costume. O turista mune-se de carvão e acendalhas (a churrasqueira da casa tem estes materiais, mas com aspecto duvidoso) além de uma grelha nova para substituir aquela coisa preta e gordurosa que jaz sobre as cinzas frias lá no sítio.
Pelo meio dia e meia começa o processo de acender o lume. Depressa o turista percebe que a ventilação é deficiente, por entupimento da gaveta das cinzas que está encravada. Tarde de mais: o lume já está aceso, ainda que absolutamente ineficaz. Procura-se o abano que devia existir, mas que não há. Usa-se alternativamente uma tampa de plástico rectangular que por ali pára. O abanar furioso há-de resultar em dolorosas bolhas na base dos indicadores do enérgico espevitador do lume.
Passaram quarenta e cinco minutos desde o início do processo e o pimento solitário em cima da grelha começa, finalmente, a dar mostras de assadura. Numa das pontas. O resto está cru. Mais carvão, mais abanadelas e uma bolha acessória. Pimento finalmente assado, entram as douradas. O calor malha nas costas do turista suado. O calor e as moscas que, entretanto, se aperceberam de que há peixe e turista fresco nas redondezas. Surgem ainda em cena diversos subtipos de abelhas e vespas igualmente interessadas no esforço culinário. O abano passa a servir de enxotador de insectos volantes.
O peixe vai grelhando. O turista percebe, horrorizado, que os três peixes estão a grelhar de modo desigual: enquanto um está quase preto, o da outra ponta está branquinho como quando saiu do tanque de aquacultura. Rearrumação urgente do carvão, uma sacudidela e uma volta na grelha, o que resulta no efeito pouco elegante de uma dourada mergulhar a pique no carvão e ter de ser pescada à tenaz. Calor, moscas, o cheirinho do peixe a grelhar, o suor pelas costas abaixo. O turista lá retira a grelha do lume. O peixe está colado às varetas. Com um garfo e uma colher de pau o turista vai arrancando ao metal os restos calcinados do que foram em tempos douradas. Alguns bocados vão parar ao carvão e regressam à travessa com um toque de cinza.
Às duas e meia está tudo à mesa. O peixe é elogiado com pouca convicção. A salada e as batatas estão boas. O turista tem um sorriso levemente alucinado no rosto. Recorda outros combates análogos, como uma churrasqueira sem tiragem onde em tempos assou sardinhas: saiu de lá gaseado como num incêndio florestal e tresandou a sardinha durante uma semana. O sorriso não se apaga. O turista lembra-se de que, mesmo ao lado das grelhas de carvão, há no supermercado grelhas eléctricas, daquelas da Tefal, antiaderentes, sem fumo. Rápidas, eficazes, fáceis de usar e de lavar. Os do supermercado são profissionais e sabem do que a casa gasta.
6 comentários:
Ao visualizar-se o 'peixe de aviário', o grelhador ineficaz e tudo o resto, até se aceita de ânimno mais leve o regresso à rotina profissional:)
«ânimo»...
ABS, não consegui ver 'o sorriso levemente alucinado do turista'... imagino-lhe as bolhas, mas valeu a pena este churrasco no campo. Da salada e das batatas todos gostaram. :))
Maravilhosa descrição das alegrias das férias... :)
Maravilhosa descrição das alegrias das férias... :)
João, sabe que o ABS é um amante da Sf?
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