13 de agosto de 2010

PROCESSO AO SELECIONADOR NACIONAL


 Não conheço Carlos Queirós (CQ), não conheço ninguém da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), nem sou grande adepto do futebol, mas como cidadão anónimo que ouve e lê, contribuinte nacional e pagador forçado da FPF, e como jurista que fez os primeiros despedimentos com justa causa de jogadores da divisão maior do futebol português, não consigo deixar de pensar que o “processo disciplinar” para despedimento que lhe instauraram é muito pouco oportuno.
E estribo esta convicção em 3 factos jurídicos insanáveis: 1º - de, na altura dos factos (um treino em Tomar, a 16 de Maio, antes do início do mundial), não ter sido dado relevo aos mesmos pela FPF; 2º – caso o comportamento de CQ tivesse sido encarado como grave no âmbito disciplinar como diz o Sr. Secretário de Estado, deveria ter sido de imediato suspenso das suas funções, e 3º - Madaíl afirma (ontem, segundo as televisões) que apesar do processo, CQ continua em plenas funções.
Cada um destes factos, de per si, é indiciariamente contrário à gravidade que se exige para a procedência de justa causa, pelo que (e salvo melhor opinião em contrário) me parece que o presente processo destinado ao despedimento está irremediavelmente votado ao insucesso.
Por outro lado, caso a nossa equipa tivesse sido a campeã mundial, não haveria processo algum e de espécie nenhuma, a frase de CQ seria considerada uma brincadeira inofensiva e o seleccionador seria um herói nacional e internacional, ao nível dos nossos melhores, como Saramago ou Mourinho - e todos na FPF lhe dariam beijinhos e abraços, e queriam retratos juntos para mais tarde rememorar com emoção.
Porém, como o nosso lugar foi o adequado à qualidade de jogo por nós e pelas outras equipas praticado naquela competição (a nossa simplesmente medíocre), e não aquele que muitos ilusionistas profissionais fizeram os ingénuos acalentar, o treinador passou a ser encarado por alguns influentes e invejosos como um qualquer malandreco e, penso que recorrendo à nacional e tradicional esperteza saloia, vai de se arranjar algo que sirva para o por em causa - um qualquer argumento e dizer agora, meses depois, que o mesmo é muito grave, de tal forma que pode por em causa a sua continuidade no cargo.
Invejas e ajustes de contas pouco claros à parte, aquilo que modestamente se me afigura, é que estão a servir-se do “processo” com um outro fim bem mais nítido aos olhos de todos os que não querem ser cegos: o meio de evitar pagar a pesada indemnização que o contrato estabelece para a FPF o poder despedir.
Sei que é relativamente fácil empolgar um determinado facto e emprestar-lhe um cariz mais ou menos grave, conforme o ponto de vista de quem paga – e também sei que não faltam por aí figurões a quem isto aproveita que, por razões pessoais ou para aparecerem nos média, não hesitam em pôr-se em bicos-de-pés para poderem ser vistos e lucrarem com o “processo”, mas a isso já todos nos habituámos infelizmente.
Não estou com isto tudo a desculpar que CQ possa ter tido uma frase incorrecta, e até concordo que possa ser alvo de inquérito disciplinar ou policial pela mesma – desde que isso não tenha em vista despedi-lo (há muitas penas disciplinares sem ser o despedimento), nem se destinar a servir como moeda de troca no valor dos dinheiros a pagar-lhe. Por isso, tudo deveria ter decorrido tudo com o maior sigilo e recato, a fim de proteger todas as figuras em causa, longe da ribalta e do espectáculo de tenda agora montado. Acresce ainda que, a existência de procedimento disciplinar não implica a condenação do arguido obrigatoriamente – só o relatório final do mesmo é que irá determinar justificadamente, se haverá condenação disciplinar, ou não.
Independentemente do resultado do processo, penso que talvez possa ter deixado de haver condições para que Queirós continue com as suas funções (por eventual mal-estar entre as partes), mas considero que a FPF, como entidade de bem que é, e tendo em atenção que actua em nome da nação, deverá mostrar sempre lisura e transparência na sua actuação, e muita dignidade na imagem. E proporcionalidade também – não penso que seja por uma frase isolada dita a quente em circuito fechado em relação a um terceiro ausente, que se possa crucificar uma pessoa quando num passado próximo a FPF não quis reparar e desculpou actos públicos bem mais graves.
Ora, tendo em conta as testemunhas envolvidas neste processo, de uma parte e de outra, e a sua projecção internacional, e a atracção que este processo está a ter nos meios de comunicação social cá dentro e lá fora, confesso-me seriamente preocupado por, mais uma vez, Portugal poder eventualmente ir fazer má figura e ser ridicularizado perante o mundo inteiro, num assunto que pode perfeitamente ser tratado directamente entre as partes, sem gritaria nem escarcéu, e muito menos histerismo.
Atentos os altos interesses em causa e o mérito reconhecido dos intervenientes directos, seria mais oportuno sentarem-se a uma mesa a conversarem, do que o circo que está a ser montado que, com impugnação judicial e respectivos recursos, terminará vergonhosamente lá para as calendas (veja-se, por exemplo, o caso do Benfica contra o treinador Manuel José), e cujos únicos e exclusivos beneficiários são alguns   “jornalistas” que vamos tendo.
 Armação de Pêra, 12 de Agosto de 2010
 Texto de Carlos Pessoa Domingos

1 comentário:

Miguel Gil disse...

O circo está em dificuldades! Pedindo desculpa aos profissionais circenses, concordo em absoluto com o Carlos Pessoa Domingos, mas verifico que não é só esse circo que está montado, para gáudio e 'benefício de alguns “jornalistas” que vamos tendo'. Não se compreende como, com tanta mesa vazia boa para se sentarem e conversarem, se insiste neste triste montar de tenda e dar espectáculo. Têm de haver managers a instigar estes artistas ou esta gente não tem olhos na cara.