25 de agosto de 2009

A ARTE DE PERDER

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O Eduardo Prado Coelho era o Eduardo Prado Coelho como em tempos recuados o João Gaspar Simões era o João Gaspar Simões. Assim como uma espécie de instituições.
Sempre foi moda bater em Gaspar Simões, foi moda bater em Prado Coelho. Diga-se que amiúde se colocavam a jeito de…
Quando o João Gaspar Simões morreu reconheceu-se a falta que ficou a fazer. O mesmo aconteceu com o Eduardo Prado Coelho que há dois anos deixou de andar por aqui.
Eduardo Prado Coelho terá sido o último moicano?
Certamente que continua a existir gente culta, mas, talvez, não como ele. A sua voraz curiosidade de ler, ver, ouvir tudo o que lhe interessava, levava-o a percorrer uma imensidão de temas que podiam ir de Duras a Llansol passando por lingerie, escolha de shampoos e cosméticos. Levava a seguir porrada mas não se importava. Necessitava tanto de uma polémica como de pão para a boca: “Vivi sempre em estado de exaltação polémica, isto é, precisei constantemente de adversários com que me defrontar.”
Não deixava ninguém indiferente. Para o bem e para o mal. Isabel Coutinho chamou-lhe “intelectual sedutor”. Ele deixou escrito: “seria incapaz de escrever se as mulheres fossem incapazes de ler”. Gostava de gostar. Gostava de Misia. Gostava de Maria Gabriela Llansol, de Marguerite Duras. Gostava da Sharon Stone em “Instinto Fatal” e não exclusivamente por aquele famoso descruzar de pernas. Com uma simples crónica ajudou Aldina Duarte a impor-se ao grande público. Era um homem de afectos, vaidoso, sportinguista como poucos. Irritava um tanto aquele seu fascínio, a roçar o doentio, pela cultura francesa e por tudo o que de Paris chegava, como se mais nada houvesse. Foi por ele que conheceu a obra de Ana Maria Pereira, e o quanto por isso lhe está agradecido.“Interessa-me escrever de uma forma contagiante sobre as coisas que me tocam e podem ser partilhadas.”
Na política nem sempre ficou bem no retrato. Demasiados tiros nos pés. Casos houve em que se estatelou na bajulice. Parte cinzenta, quase a atirar para o negro, a sua passagem por partidos políticos.
Morreu no dia 25 de Agosto de 2007. Tinha 63 anos.
Em miúdo preenchia caderninhos com "frases que achava fundamentais para a vida". (
Em cima a 1ª página com que o “Público” entendeu homenageá-lo.
Primeira página do “Público” de hoje , 26 de Agosto:
Numa velha crónica, “A Arte de Perder” deixou escrito:
“Tantas coisas que perdemos ao longo de uma vida! Perdemos as casas onde vivemos, que habitámos por dentro, naquilo que uma casa tem de mais dentro de si mesma. Perdi a casa de infância dos meus pais na adolescência - no mesmo ritmo que os perdi.(…) Perdi lugares. Cafés - tantos - onde estudava: perdi a Granfina e o Nova Iorque, perdi o Vavá de que tanto gostava, povoado de amigos e cúmplices, perdi o Monte Carlo e raramente volto ao Toni dos Bifes, onde o Carlos de Oliveira ou o Abelaira se encontravam. Perdi um pouco o hábito regular de ir à Versalhes. Perdi a Faculdade de Letras e o seu bar fumarento e ruidoso, invadido por vagas de alunos de Direito. (…)Perdi o bar do Estádio Universitário, para onde ia estudar, mal chegava a Primavera. Perdi a casa de gelados Monte Branco, ali ao Saldanha, para onde ia ler e escrever nas noites de Verão. Perdi a praia de São Martinho do Porto, a praia dos primeiros namoros. Não a reconheço, porque fui reencontrá-la massacrada por uma urbanização selvagem e incomodativa (…) . Perdi amigos, muitos. (…)Perdi mulheres, muitas, algumas no Brasil, outras em Portugal. Perdi livros, que ficaram noutras casas, que desapareceram sem que eu saiba porquê, que emprestei e não recuperei. Perdi também alguma memória de tudo o que perdi. Mas há um poema de Elizabeth Bishop que se chama precisamente "Uma arte" e é sobre essa difícil arte de perder. Diz assim: "A arte de perder não é nenhum mistério; / tantas coisas contém em si o acidente / de perdê-las, que perder não é nada sério. (...) Perdi duas cidades lindas. E um império / que era meu, dois rios e mais um continente. / Tenho saudades deles. Mas não é nada sério. // Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo / que eu amo) não muda nada. Pois é evidente / que a arte de perder não chega a ser mistério / por muito que pareça muito sério."

1 comentário:

teresa disse...

Obrigada por mais um reavivar de memórias, gin.

Lembro-me de ver Eduardo Prado Coelho no bar (cheio de fumo)que hoje tem um aspecto que leva a ASAE a não apontar o dedo...(nós também gostávamos de atravessar a rua e visitar os amigos da 'casa' em frente e quando havia mais algumas moedas, por lá almoçávamos melhor...) dos letreiros (no escurecido bar de Letras) a apelar para que não se apagasse as beatas dentro das chávenas de café ('também não servimos bicas em cinzeiros', diziam), do meu pai a não poder nem ouvir falar no nome deste senhor, atendendo às suas piruetas político-partidárias... até mudava de canal quando ele falava na tv.

Mais do que lembrar este homem, o post trouxe-me inúmeras lembranças gratas de uma época (mais ou menos) despreocupada.

... e porque - opinião pessoal - não estamos cá só para apontar o dedo seja a quem for (embora a reflexão crítica seja importante), EPC ficará sem dúvida na história da nossa cultura com maiúscula.