1 de maio de 2009

A CIDADE É A EXPERIÊNCIA QUE DELA TEMOS

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Ele é de um tempo em que os prédios tinham traseiras e essas traseiras tinham quintais. Com árvores, flores, um pezinho de salsa, pássaros a cantar, viam-se joaninhas e gafanhotos.
No sítio onde mora, ainda se podem ver alguns desses quintais. Ali na esquina da Sabino de Sousa com a Melo Gouveia, está um desses quintais. Apetecível e a cheirar a paraíso, seja lá o que isso for. E tem nespereiras.
Se há um tempo de cerejas, também há um tempo de nêsperas: este que agora corre. Aliás, há um tempo de tudo, para tudo. Olha este quintal e imagina-se a escalar o muro e apanhar aquelas nêsperas que, de certeza, sabe serem doces e rijas como as nêsperas da infância, aquele travo amargo doce que as nêsperas que se vendem nos supermercados não têm, nunca hão-de ter. Os sabores que perdeu, tal como outras coisas, os gestos.
Dizem-lhe que o problema das nêsperas reside no facto de terem de ser apanhadas um pouco antes de estarem no ponto, lindas, apetecíveis. Se assim não for os pássaros comem-nas. Sim, porque um pássaro, com aquele olho-de-lente é um finório, sabe o que é bom.
As gentes destes quintais são pessoas idosas, sem possibilidades de subir às árvores para apanhar nêsperas. As que os pássaros não comem, caem ao chão. Entre dentes vem a murmurar: dá Deus nêsperas a quem não as pode apanhar. E à boleia do murmúrio, abre uma janela para um poema do Eugénio d’ Andrade:

“Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos”.

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Pois é.
Mas os tempos vão calmos e claros de brilho primaveril e ficaria mal falar de nêsperas e não ir ter com o Mário-Henrique Leiria, aos “Contos do Gin-tonic”, e não trazer

“Rifão quotidiano”

”Uma nêspera
estava na cama
Deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece”

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