20 de janeiro de 2009
UM LIVRO DE QUANDO EM VEZ
Maria Archer: escritora, lutadora pelos direitos humanos. Perseguida pela PIDE, foi obrigada a refugiar-se no Brasil. Depois do 25 de Abril regressou a Portugal com poucos meios de subsistência. O país, já democrático, negou-lhe a dignidade, o respeito, tudo o que lhe era devido pelas causas por que se bateu. Merecia que lhe dessem algo mais do que lágrimas de crocodilo. e até essas faltaram. Regressou pobre do Brasil, mas não queria caridadeziha, queria o respeito a que tinha direito por ter ajudado, pela sua atitude cívica e de escritora, a liquidar um regime opressivo e senil. Morreu só, no Asilo de Santa Maria de Marvila. nos primeiros dias do ano de 1982. Esquecida. Como tantos e tantos outros.
Consideraram-na -na uma das principais mulheres escritoras portuguesas, talvez a grande ficcionista da primeira metade do século passado.
Disse João Gaspar Simões, em 1930 “Não conheço mesmo outra (escritora portuguesa) que à audácia dos temas e das ideias alie uma expressão tão enérgica e pessoal. O seu estilo respira força e solidez.”
Quem gosta de ler, e ele gosta, delicia-se com a prosa de Maria Archer, uma prosa elegante, século passado, amável. E apenas tinha a 4ª classe, tirada já em idade tardia. Releu agora os dois únicos livros que possui “Roteiro do Mundo Português” e “Memórias da Linha de Cascais”escrito de parceria com Branca de Conta Colaço, um livro de 1943, e fac-similado em 1999 pelas Câmaras Municipais de Cascais e Oeiras. E volta a dizer: é um prazer.
Começa pelo “Roteiro do Mundo Português”, uma a compilação de memórias sobre as antigas colónias portuguesas. Para não criar enfado, numa outra ocasião, trará aqui as “Memórias da Linha de Cascais”.
“A vida levou-me, desde menina e moça às terras africanas, por onde peregrinei durante quatorze anos.”
Não é um admirador, bem pelo contrário, do império colonial, esse Portugal do Minho a Timor, que Salazar nos impôs e que na Guiné, Angola e Moçambique teve um preço elevadíssimo numa guerra tão estúpida como inútil.
“Nunca ninguém lhes contou o que são as nossas oito colónias de além-mar? Como as descobrimos no segredo do oceano temeroso, como as conquistámos palmo a palmo, como as conquistámos palmo a palmo, como as fecundámos, até fazermos delas a continuidade imperial da nossa terra?
Eu sei, nunca ninguém lhes contou essa história maravilhosa.
Ora oiçam:
Eu vivi quatorze anos em África Vou contar-lhes o que lá vi. Por isso podem pegar no meu livro com confiança. Prometo-lhes não os massar Vocês gostam, com certeza, de ouvir um viajante de países remotos que narra o que viu nas terras por onde passou.”
Este é o começo de “Roteiro do Mundo Português”.
Claro que há que tirar, por um tempo, a capa anti-colonial que alguns vestem. Foi o que fez. Não é fácil mas o resultado merece o momentâneo olvido, porque é um desfiar de paisagens, costumes, gentes, tradições, crenças.
Pena o espaço não permitir algumas transcrições. Mas não quer deixar de transcrever o final do livro, um cântico ao “ultramar português”.capaz de causar alguns arrepios:
“A ara sagrada do Império é o rochedo de Sagres.
Dele partiram as caravelas que violaram o segredo do Mar Tenebroso. Dele foi dado o primeiro passo na senda esplendorosa que nos fez maiores no mundo e mais orgulhosos na História.
Sem o seu ultramar Portugal seria, hoje, como outrora, um pequeno país apertado entre o oceano e as grandes terras espanholas.
Gostaria que, após a leitura deste livro, vocês tivessem compreendido o impulso de expansão que nos levou a caminhar pelo mar desconhecido, à procura da terra que nos faltava na Europa.
Gostaria que vocês tivessem ficado com uma ideia bela e fecunda do valor, no passado e no presente, dessas terras ultramarinas.
Gostaria de lhes deixar, - no livro e na alma – um pouco do amor que eu sinto pelos países que são nossos e se alongam nas longínquas paragens de além-mar.”
Difícil de engolir?
Naturalmente, que sim, mas como disse é um prazer de leitura. Viagens e aventuras ,ele que tanto gostou de ler Salgari, Júlio Verne & Cª
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“Roteiro do Mundo Português”
Maria Archer
Edições Cosmos, Janeiro 1940
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