(...)"Pois o Belo nada mais é
do que o começo do Terrível que ainda suportamos ;
e o admiramos porque , sereno, desdenha
destruir-nos.Todo anjo é terrível." (...)
"Todo anjo é terrível. Mesmo assim - ai de mim -
vos invoco, pássaros quase fatais da alma
sabendo quem sois."(...)
"E qual o não é o susto da criatura que deve voar
e quem a sua origem num colo."
Rainer Maria Rilke, trechos das Elegias de Duíno
do que o começo do Terrível que ainda suportamos ;
e o admiramos porque , sereno, desdenha
destruir-nos.Todo anjo é terrível." (...)
"Todo anjo é terrível. Mesmo assim - ai de mim -
vos invoco, pássaros quase fatais da alma
sabendo quem sois."(...)
"E qual o não é o susto da criatura que deve voar
e quem a sua origem num colo."
Rainer Maria Rilke, trechos das Elegias de Duíno
Percorri algum caminho, vendo a velocidade do carro, as ruas correndo à minha vista, a minha vista correndo para dentro dos meus olhos em algum sonho acordado meu.
Não me olho em espelhos. Entretanto olho para mim, como um amante frustrado que vê o seu amor maior cair do pedestal talhado no mármore mais bonito que o afeto pode esculpir. E o meu amor maior sumiu em um vôo estúpido em que minhas asas simplesmente quebraram.
O caminho continuava correndo e o meu tédio esganava-me o folêgo... Sorri somente por sorrir, tentando livrar-me do peso que eu mesmo joguei lá dentro.
Desci naquele circo macabro...Haviam cartazes sem nexo e pessoas insensatas a segurá-los e a gritar incessantemente "Sem morte, sem morte..."
Imaginei que um dos irmãos aparecesse pelas tendas, de tochas na mão e a tudo incendiasse... Mas a Lamúria acenou-me, ridente, enquanto eu olhava cenas tão cotidianas: os casais a abraçarem-se, as crianças a brincar, os cães cruzando em um cio belo e despudorado.
Dei de ombros e acenei. É tão fácil acenar para ela...
E fiquei no meu lugar...
Uma jovem tocou no meu ombro e abriu os olhos... Era mais uma daquelas mortas que enganavam-se quanto a mim...Ela estava morta e eu não podia mais fazer nada por ela. E ela perguntou-me se era possível sobreviver ante à minha visão... E eu apenas disse que ela era muito tola por perguntar-me aquilo, uma vez morta...
A Lamúria acenava-me, como a querer que eu retornasse para as antigas paragens da Cidade Sofrimento. Aproximei-me dela e disse que ante ao meu próprio destino, todas as ruas delas em mim estavam entranhadas.
Ela sorriu e uma lágrima caiu em minha mão ensangüetada com o carinho súbito da morta tola.
E as pessoas riam naquele ambiente soturno, o circo de uma alegria desperdiçada: os palhaços matavam as trapezistas, os leões enfurecidos buscavam o seu alimento na platéia, o mágico desaparecia as jovens para suas noites de lascívia.
E eu sorri.
Olhei para cima: um dos meus irmãos de atitude mais angélica, trombeta e espada à mão, começava a dilapidar todas aquelas vidas mortas e a quermesse outrora rutilante e desencantada fazendo o fogo e a dor coçarem no meu ser como algo risível e radiante.
Percebi que ele mirava a sua espada em mim. Agoniei-me.
Procurei entrar, solitário como sempre, nas montanhas ali próximas da minha dor original.Mas os passos batidos em asas a trombeta e a espada perseguiram-me...
Tentei voar...mas vi que havia algo que prendia-me a algum lugar, mesmo nas alturas.
Senti o baque, vi a verdade da minha beleza esquecida por todos e fechei os olhos antes de ver a imagem perdida da minha Eternidade.
Deus na minha frente, no segundo em que fui criado...
Não me olho em espelhos. Entretanto olho para mim, como um amante frustrado que vê o seu amor maior cair do pedestal talhado no mármore mais bonito que o afeto pode esculpir. E o meu amor maior sumiu em um vôo estúpido em que minhas asas simplesmente quebraram.
O caminho continuava correndo e o meu tédio esganava-me o folêgo... Sorri somente por sorrir, tentando livrar-me do peso que eu mesmo joguei lá dentro.
Desci naquele circo macabro...Haviam cartazes sem nexo e pessoas insensatas a segurá-los e a gritar incessantemente "Sem morte, sem morte..."
Imaginei que um dos irmãos aparecesse pelas tendas, de tochas na mão e a tudo incendiasse... Mas a Lamúria acenou-me, ridente, enquanto eu olhava cenas tão cotidianas: os casais a abraçarem-se, as crianças a brincar, os cães cruzando em um cio belo e despudorado.
Dei de ombros e acenei. É tão fácil acenar para ela...
E fiquei no meu lugar...
Uma jovem tocou no meu ombro e abriu os olhos... Era mais uma daquelas mortas que enganavam-se quanto a mim...Ela estava morta e eu não podia mais fazer nada por ela. E ela perguntou-me se era possível sobreviver ante à minha visão... E eu apenas disse que ela era muito tola por perguntar-me aquilo, uma vez morta...
A Lamúria acenava-me, como a querer que eu retornasse para as antigas paragens da Cidade Sofrimento. Aproximei-me dela e disse que ante ao meu próprio destino, todas as ruas delas em mim estavam entranhadas.
Ela sorriu e uma lágrima caiu em minha mão ensangüetada com o carinho súbito da morta tola.
E as pessoas riam naquele ambiente soturno, o circo de uma alegria desperdiçada: os palhaços matavam as trapezistas, os leões enfurecidos buscavam o seu alimento na platéia, o mágico desaparecia as jovens para suas noites de lascívia.
E eu sorri.
Olhei para cima: um dos meus irmãos de atitude mais angélica, trombeta e espada à mão, começava a dilapidar todas aquelas vidas mortas e a quermesse outrora rutilante e desencantada fazendo o fogo e a dor coçarem no meu ser como algo risível e radiante.
Percebi que ele mirava a sua espada em mim. Agoniei-me.
Procurei entrar, solitário como sempre, nas montanhas ali próximas da minha dor original.Mas os passos batidos em asas a trombeta e a espada perseguiram-me...
Tentei voar...mas vi que havia algo que prendia-me a algum lugar, mesmo nas alturas.
Senti o baque, vi a verdade da minha beleza esquecida por todos e fechei os olhos antes de ver a imagem perdida da minha Eternidade.
Deus na minha frente, no segundo em que fui criado...
Álisson da Hora - Recife, Brasil
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