19 de janeiro de 2006

Comments Exponterâneos

Nos últimos tempos a imprensa tem vindo paulatinamente a ser mais e mais crítica, já quase hostil, com Manuel Alegre. Quando ele começou, toda a gente lhe achou muita graça. É fácil achar graça a tudo o que é pequeno e que mexe e que tem um certo brilhozinho nos olhos. Agora que Alegre é coisa séria, já o tratam como político e já dizem mal dele e já vêem aquilo que era mais ou menos evidente desde sempre: Alegre representa o passado e, de certa forma, Alegre é, embora menos, da mesma natureza retrógrada de Jerónimo. E o pragmatismo e oportunismo políticos de Soares, acompanhados de um total descomprometimento ideológico, fazem deste, por comparação com Alegre, um "pós-moderno".

Mas ao início era chic apoiar Alegre. É chic estar do lado de um enfant terrible quando este tem algum ou muito charme. E Alegre é sobretudo um caso de charme: a pátria, a poesia, a figura do herói solitário contra todos e contra tudo, até a própria barba e a voz, tudo isto tem um charme que raro ou nunca se encontra na Esquerda. A Esquerda é feita dos colectivos anónimos, de forças estruturais lentas e pesadas. A Esquerda é feita de gente feia plasmada numa amálgama cinzenta. E o charme só existe no indivíduo. A falta de charme da Esquerda é a consequência directa do seu défice de indivíduo. Além disto, o charme de Alegre é ambivalente: ele é portador de um certo misticismo político que agrada à direita, sobretudo a conservadora e aristocrática (só não percebem isto aqueles que, por ignorância ou maldade, associam ad eternum a direita a ditadura e conservadorismo a xenofobia).

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Cavaco Silva tem vindo a descer. E ainda há tempo para que desça até ser necessária uma segunda volta. E tenho a crença de que é menos difícil derrotar Cavaco Silva numa segunda volta, no jogo um-contra-um, do que impedir que ele ganhe à primeira. Ou seja, o primeiro confronto é mais difícil que o segundo. Mas é claro que qualquer dos confrontos é dificílimo para a esquerda. Se acontecer segunda volta, Alegre contra Cavaco será renhido. Extremamente renhido.

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Vai ser um gozo tremendo, explosivo até, ver no Domingo Soares ficar atrás de Alegre. E vai ser um bofetão pesadíssimo para os socialistas em geral. Ter o líder histórico dos socialistas apoiado pelos socialistas ser duramente espezinhado pelo socialista com história e que foi rejeitado como líder e que não foi apoiado pelos socialistas será uma tortura humilhante e com consequências permanentes para os primeiros. E dará um prazer extraordinário a todos os não socialistas... E vai ser uma derrota das péssimas características pessoais, do mau-carácter de Soares. E será uma derrota do tipo de política baixíssima e imoral praticado por Soares. Uma derrota em abstracto - o tipo - e em concreto - a pessoa. E isto numa maré em que o eleitorado castiga ferozmente os defeitos de personalidade (recordar Santana nas últimas legislativas e Carrilho nas últimas autárquicas...).

Mário Soares acaba a sua carreira política com uma derrota que vale por toda essa mesma carreira: se ele afirma que uma hipotética derrota de Cavaco seria o resultado avaliador dos dez anos de governação deste, a sua própria derrota indicará o juízo a posteriori de condenação não só dos seus dez anos na Presidência da República, mas também dos seus anos no Governo e ainda de quase tudo o mais.

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Só motivos de natureza erótica me impediriam de ir à escola preparatória no próximo Domingo votar em Cavaco Silva.

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