7 de outubro de 2005

O "MONUMENTO"

A velhinha Esquadra de Benfica ficava situada numa zona privilegiada da Estrada de Benfica, emparedada entre o Ferro de Engomar, com o seu restaurante, café e taberna, a Academia Grandela e as instalações da Escola dos Pupilos do Exército. O bulício da cidade fazia-se sentir de forma continuada, ao longo de todo o dia e a tarefa do sentinela às instalações poderia tornar-se penosa dada a exiguidade do estreito passeio em frente às mesmas. Era mesmo terrível passar ali quatro horas à porta da Esquadra, sorvendo o fumo dos escapes dos autocarros, as chapadas de água lançadas por estes, quando chovia ou, mais para a noite, ter que suportar o não menos agradável hálito de um ébrio mais “sociável” ao qual não se podia fugir, dadas as dimensões do passeio e que sempre insistiam em descarregar as suas mágoas junto do polícia de serviço. Aquele posto só era tolerável em duas situações: Para escapar a algum trucidado na linha-férrea ou então para alegrar as vistas com as jovens moçoilas – algumas não tão jovens, mas sempre vistosas – de passagem pela zona. Só faltava um painel para marcar as pontuações, à laia de um concurso de beleza, já que algumas, sabendo serem alvo da vigilância atenta dos servidores da lei, faziam gala exibindo naquela passerelle, os seus dotes como top-models em plena performance.

Lembro-me de um dia, estava eu de serviço no carro-patrulha da área fazendo equipa com o Valente, um excelente profissional que tanto tinha de bom polícia como de ser humano. Pois, foi precisamente à porta da Esquadra, que sucedeu o episódio que à frente vos conto. O pouco tempo que tínhamos de polícia, era compensado pela experiência de vida do Valente a qual incluía um tirocínio policial dado pelo seu pai, também ele agente da PSP, além de um vasto curriculum de aventuras iniciadas ainda no tempo do serviço militar. O rapaz era mesmo, como usa dizer-se, um tipo com a escola toda e pude comprovar que em matéria de humor era igualmente um mestre da arte de fazer rir o mais sisudo. Antes de nos dirigirmos ao graduado de serviço, ocupámos o nosso posto na tribuna do júri, junto ao sentinela, o Vilela, secretamente alcunhado de “Becas”, o qual levava já umas horas exercitando os seus músculos do pescoço na orientação do seu olhar para o constante assédio das empregadas das casas comerciais circundantes, residentes, sopeiras, as quais competiam perante os seus esbugalhados olhos. O Becas, pouco selectivo nessas coisas dos negócios de saias, parecia estar à beira de um enfarte, tal devia ser a aceleração cardíaca.

- O “Ti” Vilela hoje está nas suas sete Quintas.

- Oh! Valente, isto hoje está uma maravilha!... Cada avião!... Olhem, olhem, o que ali vem!... – enquanto dizia isto, discretamente, convidou-nos a olhar o passeio do outro lado da rua, onde estava uma mulher que não constava dos concursos mais recentes e que era, sendo novidade, uma pedrada no marasmo que se tornara a turma das habituais concorrentes; a debutante, além de vistosa era de gritos!

- Grande mulherão - disse logo o Valente, semicerrando os olhos, esboçando um sorriso de gozo misturado com uns traços de D.Juan.

- Calma Valente; aqui o Vilela viu primeiro – disse o sentinela enquanto tentava fazer a transferência de excessos adiposos do ventre para a zona peitoral, assumindo um semblante tipo Clark Gable.

- Ora, ora, o que é isso. Você, a essa idade, que vai fazer? Isso é para os novos… se a “Maria” sabe!...

- Pois é, mas olhe lá se não é uma estampa! Bem, mas vamos é calar-nos que ela vem para aqui, cuidado!... Olhem-me para aquilo!... É de cair de queixos, de ter inveja do tipo que tem a sorte de ter assim um monumento daqueles!... Mas, nunca se sabe o que pode dali vir…

Vilela estava mesmo apaixonado. Aproveitou, enquanto aquela ninfa estava fora do alcance das palavras elogiosas que ele soltava acerca dela, expressões que me nego a reproduzir aqui, já que algumas delas continham um vernáculo digno de uma fita do Olímpia.

- Cuidado, nada. Com uma mulher daquelas, tem de se entrar logo a matar, Vilela – disse-lhe o Valente, enquanto fazia menção de se dirigir à Diva que se aproximava.

- Valente, não seja parvo. Olhe que há muita gente a ver – enquanto dizia isto, Vilela segurava discretamente no braço do colega – isto pode dar bronca, veja lá!...

- Aposto consigo como quando aqui chegar, convido-a a beber um cafezinho aqui dentro da Esquadra e à noite vou jantar com ela. Olhe ali, quer ver.

O pobre do Vilela conhecia bem os dotes do seu jovem camarada e estava prestes a ter um colapso, não por causa da moça que se aproximava, mas temendo que o atrevido do colega levasse avante a sua intenção de abordar a jovem. Seria uma bronca e o Vilela tinha o defeito de ser medroso em medida proporcional à sua luxúria mental. O homem tremia como varas verdes. O “doido” do Valente ia atacar a vítima. Aproximou-se dela, olhou-a olhos nos olhos, rodeou-lhe a cintura com um dos braços e beijou-a, à Hollywood. Depois, voltou-se para trás, e disparou:

- Vilela… Cruz… esta é a minha mulher, a Rosa – logo de seguida, antes dos cumprimentos segredou-lhe - tem razão, é um “monumento”…

O Sentinela, apertou a mão à senhora. O seu sorriso, amarelado pela surpresa, não significava a desilusão da derrota; antes escondia a vergonha e vontade de ter ali um buraco para desaparecer ou poder fazer recuar o tempo até uns minutos atrás! Que monumental gafe!

Até ao dia em que o Valente foi transferido para a sua querida cidade do Porto, o que ainda demorou uns anitos, o Vilela viveu sempre em penitência por este pecado, recordando a sua inconveniente saída em relação à esposa do seu colega. Mesmo depois de reformado, das vezes que o encontrei, ainda denotei vários resquícios deste “trauma” … e eu encarrego-me, claro está, de o relembrar, quando reencontro o meu camarada Valente e a simpática Rosa. É um fartote.

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